domingo, 26 de junho de 2016

O “óleo de vitriolo” e o “espírito destilado” provocam embriagues.

Enquanto a magica planta dos incas se preparava para entrar no mundo civilizado, outra substancia era descoberta em Leipzig, onde um farmacêutico alemão ensinara os mistérios da botica a um sobrinho, Valerius Cordus.
Era um aprendiz impaciente este Cordus. Desadorava o farmacismo comum, com seus desleixados aviamentos de receitas, manuseio não cientifico e aquela superabundância de nomes e mais nomes de drogas. Foi exatamente isso que o levou a preparar a primeira farmacopeia aparecida no mundo – uma lista oficial de drogas, com as direções sobre o modo de preparara-las. Cordus também desadorava experiências ao modo da época, mistura de droguismo e feitiçaria – cocções de guelras de salamandra, de olhos de vespa, de ovos podres e excrementos na eterna busca do elixir da longa vida. Cordus preferia a pesquisa simples.
-Tio, exclamou ele certa vez, olhe o que encontrei.
O tio olhou, com um misto de medo e censura nos olhos. As vezes as experiências do sobrinho até explodiam...
- Agora, continuou o rapaz, tomo óleo de vitriolo e derramo aqui, assim. E ajunto um pouco de espirito destilado, assim... E depois agito. Veja como lindamente referve e fumega! E agora, tio, aproxime-se e cheire este vapor...
O velho aproximou-se e cautelosamente cheirou, recuando com cara feia, horrorizado.
-Piff! Cheiro horrível...
Horrível, não, Tio. Bem agradável até. Não faz mal nenhum. Inale profundamente e veja...
Sugestionado por essas palavras, o velho inalou aquilo profundamente, uma e duas vezes; e preparava-se para vir com as suas criticas observações, quando tudo em redor começou a oscilar, a regirar, a subir em espirais – cadeiras, mesa, estantes, janelas. Pareciam fogos de artifício. Depois de alguns instantes assim, tudo voltou ao normal. Cordus viu-se sentado no chão, com o sobrinho, qual travesso duende, a rir-se diante dele.
- Não é estranho Tio? O mesmo aconteceu ontem.
- Saia da minha casa, doido varrido! Já! Por que fui eu deixa-lo introduzir-se aqui? Fora! Fora!...
Ainda a rir-se, o moço recolheu-se ao quarto e consignou num livro de notas que havia misturado óleo de vitriolo com “espirito destilado”           e produzido um vapor suscetível de ser descrito como “óleo doce de vitriolo”. Sua inalação dava certa embriaguez, e parece por fim a dor da “tosse de cachorro” – escreveu isso e nunca mais pensou no caso.
Séculos mais tarde, ao lerem essas notas, os químicos traduziram “óleo de vitriolo” por acido sulfúrico, “espirito destilado” por álcool, e “óleo doce de vitriolo” por éter.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943.


domingo, 19 de junho de 2016

Benção do Inferno

- Atravesse, disse Don Pablo. É daqui...
Tiritante de frio e respirando com força aquele rarefeito ar da montanha, Augostin de Zarate chegou a boca da mina.
Um velho capaz indígena acocorou-se em silencio diante deles.
- Os homens vão sair? Perguntou Don Pablo.
- Vou chama-los. Estarão aqui num instante.
De Zarate, encolhido em seu capote, procurava dominar o bater dos dentes.
- Por todos os santos! Disseram-me em Lima que só os cabritos monteses podem minerar ouro no Peru, mas não me disseram que também era preciso ser urso polar. Meu sangue está se congelando nas veias.
Don Pablo riu-se
- Por causa do ouro e da prata, senhor, fazem muitas coisas que não nos dão gosto. Mas como os incas operavam nestas minas, também temos de fazer o mesmo.
A primeira turma de mineradores começou a sair do buraco – índios altos, escuros, cobertos de pó. De Zarate abriu a boca.
- Olhe! Estão nus – só com uma leve tanga nos rins. Vão evidentemente congelar...
- Nada disso, respondeu Don Pablo. Sentem-se perfeitamente bem. Olá, feitor, venha cá. Diga a este homem quando os escravos fizeram a ultima refeição.
O velho índio admirou-se da pergunta.
- Última refeição? O senhor bem sabe, porque é quem manda. Eles comeram  ao entrar na mina: ontem, ao raiar do dia.
- Está ouvindo disse Dom Pablo voltando-se para de Zarate.
- Que? Exclamou este atônito. Entraram na mina ontem, há trinta e seis horas? Não é possível!...
- Possibilíssimo, meu caro de Zarte. Estes nativos estão afeitos ao trabalho. Não são como os camponeses molengas lá da sua terra.
- Incrível absolutamente incrível Dom Pablo! Trabalhar 36 horas sem repouso, sem dormir... E a comida?
- Não há comida lá dentro da mina.
- E água?
- Não há água também. Eles passam sem ela.
- Não posso crer Dom Pablo! Por minha salvação juro que isto é a coisa mais prodigiosa que jamais vi... Mas como conseguem este milagre?
Dom Pablo apontou para os índios acocorados, verdadeiros zumbis com um par de sacolas sobre os joelhos.
- Observe-os, senhor.
De Zarate notou que eles tomavam dum dos sacos um punhado de folhas secas e mergulhavam-nas num pó acinzentado de outro, faziam-nas em maçaroca e levavam aquilo à boca, ficando a mastigar com ar satisfeito.
- Que é isso?
- Isto Dom Pablo, é o segredo de tudo. Coisa que vem dos incas. São folhas que dispensam os homens do comer e do beber, e ainda os conservam aquecidos enquanto nós nos congelamos. Dão bravura aos covardes. Tornam possíveis longas horas de trabalho sem cansaço – e desse modo permitem que o ouro destes Andes seja transladado para a Espanha. Trata-se, senhor de Zarate, da folha de coca.
- Coca? Repetiu este. A tal planta magica dos incas?
Julguei que fosse lenda.
Escreve Augostin de Zarate em seu relatório aos reis de Espanha: “Em certos vales, entre altas montanhas, cresce uma erva de nome Coca, pelos índios mais apreciada que a prata e o ouro... A experiência mostra que um homem com folhas desta planta na boca não sente fome nem sede...”
Foi assim que foi apresentada a Europa a coca peruviana. Esta planta envolveu centenas de homens num dos piores escândalos da história da medicina, por fim tornou possível o mais surpreendente triunfo da ciência no combate a dor.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

domingo, 12 de junho de 2016

Nitroglicerina é remédio para o coração

A angina pectoris tinha algo a ver com a pressão cardíaca muito alta, mas com um tipo de pressão muito especial. Um espasmo, um súbito contrair-se das artérias vitais que nutrem o coração.
Aquele nitrito tinha o miraculoso poder de relaxar essas aterias e permitir que o sangue circulasse. Não curava a angina pectoris, mas suprimia a dor e até a evitava.
Brunton anunciou a sua descoberta numa comunicação publicada no ano seguinte, 1867; e ao contrario de Withering, não teve de escrever nenhum livro para proclamar a coisa. Bastaram duas colunas dum jornal medico para fazer de Bruton um dos grandes heróis da medicina. Suprimiu uma horrível dor com uns pingos de droga numa gaze- haverá maior prodígio?

Dez anos mais tarde, em Londres, outra famosa descoberta veio fortalecer o medico em sua luta contra a angina. A coisa espantou, porque se tratava de droga já muito conhecida e de terrível efeito em outro campo. Era nada mais nada menos que a nitroglicerina.
Por uma razão muito prosaica estava em seu gabinete em Londres o Dr. William Murrell investigando essa droga: aquietar uma briga. Não briga a respeito da força destruidora da nitroglicerina, mas sobre os seus possíveis efeitos quando ingerida pela criatura humana. Duas escolas medicas divergiam sobre o ponto.
Murrell escolhera um mau momento para o teste. Estando á espera de um paciente certa tarde, tirou do bolso um vidro de tintura de nitroglicerina, abriu-o e tocou com a ponta da língua na rolha molhada. E engoliu aquilo, sem mais pensar no caso. Nisto apareceu o cliente. E ainda não havia acabado de enumerar os seus males, quando Murrell se sentiu mal – muito pior que o doente. Para ganhar tempo, o mais que pode fazer foi pedir ao homem que entrasse numa repartição lateral e se despisse para exame.
-Arrependi-me de não ter escolhido melhor ocasião para a experiência, escreveu ele mais tarde, pois fiquei com medo de que o homem percebesse o mau estado e me julgasse bêbado.
O pobre Dr Murrell não daria um níquel pela sua vida naquele momento. O pulso precipitava-se, a respiração tornava-se cada vez mais difícil, o corpo encolhia-se, a cabeça era um balão. O pulsar do coração sacudia-lhe todo corpo. Tudo como se estivesse no centro duma enorme bomba a arrebentar.
Murrell tratou de desembaraçar-se do cliente e caiu numa poltrona. Nunca se sentira tão mal em toda a sua vida, mas estava com certe
Za duma coisa: ingerira uma dose muito forte daquele veneno e os sintomas eram os mesmo produzidos pelas doses fortes de nitrito de amila. E planejou experimentar doses menores – caso sobrevivesse. Recorreria a voluntários. Experimentaria em clientes afetados de angina.
Esses doentes de angina foram beneficiados pela droga. A dor passava, como na aplicação do nitrito – e a facinorosa nitroglicerina tornou-se uma benção para os especialistas das moléstias do coração.
Cem anos levaram os médicos para acertar com essas drogas, mas acertaram. A frente vinha a mais antiga, a velha digitális; depois, os venenos de flecha, chefiados pelo estrofano; e por fim, o nitrito de amila e a nitroglicerina, para a angina pectoris. Estavam os três em uso em 1900.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

domingo, 5 de junho de 2016

Nitrito de amila e a angina de peito

A angina de peito é caracterizada por uma horrível dor no coração que depois e espalha pelo ombro esquerdo. Os médicos, atordoados mistificados e sem esperanças, lhe deram este nome.
Estamos em certa manhã do inverno de 1866. Na enfermaria real de Ediburgo uma pobre lâmpada tremeluzente luta das às noites, ha um heroísmo contra as trevas glaciais. Junto a um leito dois médicos e uma enfermeira observavam imóveis o doente.
Súbito um dos médicos tirita e fala:
- Frio Horrível!!! Que hora são?
O outro, moço ainda, saca o relógio de ouro:
-Quase duas. Mais um minuto ou dois, e a coisa vem.
Fixaram de novo os olhos no paciente, ali a suar, horrivelmente apavorado, com todas as suplicas nos olhos. O jovem doutor Brunton (23 anos apenas) falou de novo, informativamente.
- T odas as noites, há três semanas, tem tido o ataque. E sempre entre duas e quatro da madrugada. Prolonga-se por uma hora ou mais.
- Sei disso, disse o velho doutor Bennett . Já tenho visto a angina – mas nenhuma como esta.
- Foi por isso que provoquei esta nova experiência, continuou Bruton. Já experimentamos tudo que era aconselhável - digitális, acônito, lobélio, aguardente, clorofórmio. Nada fez bem.
- Sim, estamos experimentando isto agora – mas donde lhe veio a idéia?
- Não tenho certeza de nada, senhor, mas palpita-me que a angina pectoris tem algo que ver com a pressão cardíaca, isto é, com súbitos ataques de alta pressão. Só isso pode explicar que por que este senhor MacCollum sentiu alivio quando o sangramos em pleno ataque. Que poderia fazer a sangria senão aliviar a pressão do sangue?
- E acha que a sua droga opera efeito igual ao da sangria? Acha que diminue a pressão?
Brunton estava inquieto.
- Não sei senhor. Ainda não fiz experiência em criatura humana – só em um cachorro, mas neste com resultado ótimo.
- Hum! Rosnpou Bennett. Em cachorro...Eh, eh...
O rosto do doente começava a mostrar pânico. De molhado em suor e vermelho que estava, passou a seco e lívido. Verdadeiramente paralisado pelo horror!
-  Oh, meu deus! Murmuravam seus lábios. Vem vindo...vindo...vem vindo! E desta vez me mata, estou certo. Sei que me mata. Não posso aguentar...
O Doutor Bennett levou a mão ao ombro do doente.
- Sossegue,  McCollum. Não vai haver nada.
E voltando para o jovem Brunton:
- A dor vem vindo. Veja...
O doente fez um rictus de agonia como se garras de ferro lhe estivessem constringindo o coração – mas não conseguiu gritar. Bennett enxugou-lhes a testa e chamou:
-Brunton!
- Senhor?
- Mr MacCollum é seu cliente. Faça o que disse – e depressa...
-Obrigado, senhor, foi a resposta de Brunton – e sacou do bolso um vidrinho com um liquido amarelo pálido. “Enfermeira passe-me esse pano”.
Num pedaço de gaze Brunton pingou dez gotas do liquido, cheirou-o rapidamente e pôs diante das narinas de MacCollum, dizendo:
-Respire Mr MacCollum! Aspire profundamente.
O doente com aquilo diante das ventas não teve alternativa, senão obedecer, e inalou duas, três vezes.
Os dois médicos estavam de respiração suspensa e foi assim que viram o rosto do doente passar do lívido ao corado e seus músculos tão tensos se relaxarem; os sinais da dor lhe  desapareceram do rosto. Por fim MacCollum afastou a gaze do nariz e sorriu levemente:
- Obrigado, doutor. A dor foi-se. O senhor fe-la parar.
Bunnett murmurava consigo mesmo:
- Parou sim... Parou em segundos! Prodígio... Brunton, meu rapaz, como vai se chamar isso que usou?
- Nitrito de amila. Operou em Mr MacCollum tal qual no cachorro.
Desta forma que o Dr Lauder Brunton, de Edimburgo, descobriu o remédio para a angina pectoris.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943