terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Feitiços da quina impedem o cultivo

Em meados do século XVIII o peso do monopólio da chinchona estava já se tornado tão insuportável que alguns homens previdentes conceberam planos para destruí-lo, e a vitória não foi fácil.
Em 1735 chegavam a Quito, capital do equador, quatro franceses enviados pela Academia de Ciências para medir um grau do meridiano no equador, com fins de determinação da circunferência da terra. Antes de iniciados os trabalhos, um dos componentes do grupo, o geografo La Condamine, ressentiu-se e abandonou os companheiros.

La Condamine desceu os Andes rumo sul e foi ter as luxuriantes florestas de Loxa, donde saíram as primeiras cascas de quina quina enviadas a Europa. Lá tratou com um espanhol negociante de cascas e informou-se dos aspectos financeiros daquela indústria extrativa.
- Mon Die!!! Então esta casca que o senhor exporta fica assim tão barata? Vale assim tão pouco aqui no Peru? Custa-me crer no que ouço, porque na França um pedaço de casca vale centenas de francos.
- Está claro que é barata aqui, pois basta que a destaquemos das árvores. O custo desse trabalho é mínimo.
La Condamine ficou a remoer aquilo. “Por que não tentar a aclimatação da chinchona na Europa?”
Ajudado pelo espanhol, La Condamine escolheu cuidadosamente algumas dúzias de mudas, plantou-as em caixas e preparou-se para o regresso a França. Sua viagem rumo ao rio Amazonas foi de arrepiar os cabelos. Durante semanas ele e seus companheiros nativos arrostaram pântanos e espessas florestas, corredeiras e cataratas, indígenas hostis e animais perigosos; venceram milhares de milhas por água e por fim alcançaram a foz do Amazonas. E lá, então bem a vista do barco que iria levar para a França o seu precioso carregamento de mudas, a canoa em que vinha o naturalista virou ao impacto de uma onda... Por feliz devia dar-se ele de não parecer afogado, mas naquele momento La Condamine só pensou no tesouro perdido. “Minhas pobres plantas! Com tanta luta trouxemos por 1200 léguas, numa peregrinação de oito meses, para no último momento ve-las sumirem deste modo”.
Lá no Equador os outros cientistas rompidos com La Condamine terminaram a missão que os levara. Antes do regresso deles, Joseph de Jussieu tomou a deliberação de espiar o Peru.
Ao cruzar a fronteira peruviana deu com os nativos em luta contra mortal epidemia e, como fosse médico, Jussieu ofereceu-lhes os seus serviços. Finda a luta, prosseguiu na jornada, visitou umas tantas cidades, colecionou umas tantas flores, e por lá se deixou ficar por trinta anos.
- Que admirável terra dizia ele. Tantas plantas novas, tantas árvores notáveis, tamanha riqueza em insetos! Como voltar a Paris?
Ano após ano foi Jussieu acrescentando a sua coleção, e para isso mergulhava fundo nas florestas virgens, galgava os mais altos píncaros, varejava pantanais. A sua coleta assumia proporções desmarcadas, e pari-passo ele ia conduzindo um grande trabalho de estudos científicos. Nas comunicações de lá feitas a Academia Francesa  falava em voltar e dizia da sua ânsia de tornar conhecidos na Europa os mais fascinantes espécimes da flora sul americana.
Finalmente, depois de devotar metade da vida a esse estudo, deu-o Jussieu por findo. Conquistara o direito de morrer em paz em sua terra – e ao tratar do retorno não se esqueceu da chinchona.
La Condamine pensara em levar mudas; Jussieu pensou em sementes. Escolheu-as muito bem – milhares, e acondicionou-as em caixa bem fechadas. E manteve aquilo sempre a vista, como se se tratasse dum incomparável tesouro de diamantes e rubis. Esse cuidado excessivo foi sua desgraça.
Em Buenos Aires, onde ficou a espera do navio, um criado estranhou aquela extrema vigilância e, convencido de que realmente se tratava de um tesouro, roubou certa noite a preciosa caixa. Vendo que nada continha se não sementes deito-a fora, num acesso de raiva.
Ao descobrir a grande perda, Jussieu caiu em profunda tristeza. Lá se fora o que ele apreçava acima de tudo! Deu queixa as autoridades, mas ninguém conseguiu por unhas no ladrão.
Melancolicamente embarcou para a terra natal o pobre francês. Seus colegas em França, entusiasmados com as comunicações recebidas, as quais já tinham valido a entrada para a Academia, foram espera-lo no cais. Jussieu não os reconheceu. Havia enlouquecido.
A superstição indígena atribuía a quina um feitiço malévolo. Superstição ou não o fato é que ainda não foi desta vez que a quina, árvore, chegou a Europa.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

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