domingo, 21 de fevereiro de 2016

Roubando mudas e sementes de chinchona no Peru

Um rapazola na casa dos vinte anos ousava sugerir não apenas uma expedição, mas quatro expedições simultâneas, todas dirigidas por ele, em quatro diferentes zonas. O pedido de sançõ oficial parta aquilo, e de fundos, era a que havia de mais absurdo!
Mas a audácia do relatório tinha o apoio de eminentes cientistas e manufatureiros, e os argumentos do relatório tiveram a força para convencer os peritos do governo de que a cultura da chinchona nas Índias era coisa perfeitamente viável.

Em tempo extraordinariamente curto a expedição foi aprovada. Markham recebeu autorização para coleta de sementes e mudas de chinchonas e superintender lhes o transporte e a introdução na ìndia e na ilha do ceilão.
Markham revelara-se um excelente planejador, e iria relevar-se ainda melhor executor. Habilmente escolheu os colaboradores necessários, botânicos uns, experientes sertanistas outros, todos animados da suprema decisão do “de fazer ou morrer pela Inglaterra”, espirito que levou alguns deles para bem perto da segunda alternativa do dilema.
Prichett, um sertanista, tinha a missão de coletar a casca da chinchona parda nas florestas de Huanaco, no Peru central ao norte de Lima; Spruce um notável botânico, procuraria a chinchona vermelha no Equador; Cross, um diligente escocês, ajudaria Spruce e depois cuidaria das cascas dos Andes colombianos. E o jovem jardineiro Weir acompanharia Markham na busca às cascas amarelas do sul do Peru.
Esses homens tinha de movimentar-se isoladamente ao longo do fronte de 2000 milhas, simultâneos, em silêncio e rápidos se possível. Dados os perigos e obstáculos, um ou dois haveriam de falhar, mas era provável que um vencesse.
Seguido de sua esposa e do fiel Weir, Markham desembarcou em Islay, pequeno porto da costa do Peru. No consulado inglês deixaramas suas tralhas e transportadores, estufas em miniaturas já com a terra pronta, destinada á condução de mudas. Após dois dias de viagem pelas areias do deserto, alcançaram a cidade de Arequipa. Ali foi deixada Minna Markham em companhia de velhos amigos de seu esposo, e os dois homens começaram a galgar as montanhas.
Subida forte. Estreita trilha de mulas ziguezagueava pelos Andes acima, sempre sobre nevadas ou chuva até uma altitude aproximada de quase 16.000 pés. Depois vinha a descida íngreme para uma garganta gelada, por entre brejos e penedos, até á cidade de Puno, á margem do lago Titicaca. Estavam lá a duas milhas acima do nível do mar e ainda havia outro tanto a subir!
Dispondo apenas das surradas mulas de aluguel ali da zona, Markham e Weir deixaram Puno pela estrada inca que conduzia a Cuzco, a velha capital do império aborígene: depois rumaram para leste e puseram-se de novo a subir.
Encontraram mais povoados a milhares de pés acima do nível do mar, e mais desfiladeiros, cada vez mais altos. E mais tempestades de neve, e mais lama, e mais atalhos escorregadios.
Num dos pousos naquelas alturas encontraram Don Manuel Martel coronel do exército peruano, o qual se mostrou insinuante e começou a falar sobre coisas relativas á chinchona, revelenado muito conhecimento de causa.
- Snhores nunca ouviram falar de José Carlos Mueller?
Os dois ingleses sacudiram a cabeça.
- Pois foi um mal homem, continuou Muriel. Seu verdadeiro nome era Hassskarl. Foi mandado para aqui pelos holandeses, e furtou ao nosso povo a planta que o sustenta
Nunca ouviram falar do Sr Hasskarl?
Markaham fez imperceptível sinal a Weir e respondeu que não.
Martel admirou-se
- Não o conhece? Está certo disso? Não importa; mas se acaso o encontrarmos por aqui, ou a algum seu assistente, cortamos lhe os pés! Os senhores não estão interessados na chichona não é mesmo?
Claro que não estavam, e no outro dia Martel partiu para Puno enquanto os dois ingleses prosseguiam rumo ao belo vale de Caravaya, onde começam as florestas de chinchona.
Um mês levaram para alcançar o distrito da quina amarela e gastaram outros dois para juntas as sementes. Mas aquela atividade não poderia se manter por muito tempo secreta assim tiveram de apressar o retorno. O suspeitoso Martel andava espalhando coisas por aquelas paragens, além disso estavam em zona fronteiriça da Bolívia, com os dois povos prestes a se atracarem.
Cada dia, aquela mesma luta contra a floresta, a rfomperem caminho no denso emaranhado de mudas da árvore e palmas exóticas, a esbarrarem em orquídeas raras, a vadearem riachos, a amassarem lameiros. A noite, sempre prontos para fugir para a cota ao anuncio dum perigo, arrumavam as mudas em pacotes enrolados em couro da Russia.
No entanto o prefeito de uma cidade próxima expediu ordem de prisão contra dois estrangeiros e de confisco das suas bagagens.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

sábado, 13 de fevereiro de 2016

A história secreta da quina

Os holandeses, apesar das recentes restrições contra o transplante de quina para outras terras. Mandaram ao Peru um botânico de valor, Justus Hasskarl, cuja atuação foi agitada. Teve de atravessar os Andes sob incógnito; subornou funcionários; e organizou encontros secretos na fronteira da Bolívia, onde os sacos de sementes juntadas pelos índios eram trocados por ouro.
Após dois anos de trabalheira conseguiu Hasskarl chegar ás Índias Holandesa com centenas de mudas e sementes. As mudas não resistiram a demorada travessia, só as sementes se salvaram.
Jardim Botânico de Londres
O governo holandês mostrou-se grato ao valente explorador e o deixou coordenando as plantações de quina em Java. Também o condecorou.
Mas ocorreu um engano trágico, ou era ainda o feitiço? As sementens produziram lindas plantinhas, com as quais se formaram vastos quintais, mas Hasskarl havia trazido às sementes erradas. A casca daquela chinchona não revelou a presença do alcaloide....
Os governos sul americanos souberam dessas tentativas para lhes roubar um monopólio natural e disseram: “Deus nos deu grandes florestas de chinchona e não podemos permitir que nos roubem o monopólio. Havemos de defende-lo.
Foram decretadas rigorosas leis reguladoras da exportação da casca perviana, não só no Peru como na Bolívia, no Equador e na Colombia, onde também existia a preciosa árvore.
Cascas podiam sair desses países, mas não sementes ou mudas, nada que pudesse criar a cultura da chinchona fora daquelas zonas. Enquanto isso, milhões de maláricos pelo mundo inteiro imploravam quina e viam o seu preço subir sempre.
Numa repartição publica da Inglaterra estava um jovem funcionário inglês lendo correspondência oficial sobre a Chinchona. Chamava-se Clements Markham, 24 anos, filho dum sacerdote, mas desinclinado a seguir a carreira do pai.
Por quatro anos já tinha servido na marinha britânica, e visitara a América do Sul, o México, a California, as Ilhas Sandwick; também tomara parte na mal sucedida procura de Sir John Franklin, que desaparecera numa caçada lá pela Northwest Passage. Em sua estada no Para estudara a história dos antigos incas.
Mais tarde passou seis horríveis semanas numa repartição do governo a copiar carunchosos testamentos. Um mês antes de fazer 24 anos foi tirado de tão desalentadora tarefa e removido para outro setor, onde lhe incumbia lidar com os negócios entre o governo inglês e a Companhia das Índias.
Foi quando desenterrou um velho relatório oficial com a historia secreta da chinchona
No Peru havia Markham visto florestas de chinchona, mas só agora apreendia o imenso valor. Soube pelo relatório que a malária afetava um terço da população do globo e contra ela só tinha poder a quinina. Soube também que a malária fazia um milhão de vitimas por ano.
O relatório igualmente informava que na Índia e na Ilha de Ceilão as regiões montanhosas eram do mesmo clima da zona quinifera dos Andes, e mencionava as leis restritivas em vigor nas republicas sul americanas.
Durante cinco anos Markham estudou a chinchona e a América do Sul. Conversou a respeito com Sir William Hooker, diretor do jardim botânico de Kew, e com John Eliot Howard, o maior manufaturador de quinina da Inglaterra. Consultou botânicos e químicos e funcionários das Índias Office, informou-se de tudo quanto sabia sobre a chinchona, o Peru ou a Índia. E por fim, em 1859, apresentou um plano ao Revenue Comitter, do Índia Office.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Feitiços da quina impedem o cultivo

Em meados do século XVIII o peso do monopólio da chinchona estava já se tornado tão insuportável que alguns homens previdentes conceberam planos para destruí-lo, e a vitória não foi fácil.
Em 1735 chegavam a Quito, capital do equador, quatro franceses enviados pela Academia de Ciências para medir um grau do meridiano no equador, com fins de determinação da circunferência da terra. Antes de iniciados os trabalhos, um dos componentes do grupo, o geografo La Condamine, ressentiu-se e abandonou os companheiros.

La Condamine desceu os Andes rumo sul e foi ter as luxuriantes florestas de Loxa, donde saíram as primeiras cascas de quina quina enviadas a Europa. Lá tratou com um espanhol negociante de cascas e informou-se dos aspectos financeiros daquela indústria extrativa.
- Mon Die!!! Então esta casca que o senhor exporta fica assim tão barata? Vale assim tão pouco aqui no Peru? Custa-me crer no que ouço, porque na França um pedaço de casca vale centenas de francos.
- Está claro que é barata aqui, pois basta que a destaquemos das árvores. O custo desse trabalho é mínimo.
La Condamine ficou a remoer aquilo. “Por que não tentar a aclimatação da chinchona na Europa?”
Ajudado pelo espanhol, La Condamine escolheu cuidadosamente algumas dúzias de mudas, plantou-as em caixas e preparou-se para o regresso a França. Sua viagem rumo ao rio Amazonas foi de arrepiar os cabelos. Durante semanas ele e seus companheiros nativos arrostaram pântanos e espessas florestas, corredeiras e cataratas, indígenas hostis e animais perigosos; venceram milhares de milhas por água e por fim alcançaram a foz do Amazonas. E lá, então bem a vista do barco que iria levar para a França o seu precioso carregamento de mudas, a canoa em que vinha o naturalista virou ao impacto de uma onda... Por feliz devia dar-se ele de não parecer afogado, mas naquele momento La Condamine só pensou no tesouro perdido. “Minhas pobres plantas! Com tanta luta trouxemos por 1200 léguas, numa peregrinação de oito meses, para no último momento ve-las sumirem deste modo”.
Lá no Equador os outros cientistas rompidos com La Condamine terminaram a missão que os levara. Antes do regresso deles, Joseph de Jussieu tomou a deliberação de espiar o Peru.
Ao cruzar a fronteira peruviana deu com os nativos em luta contra mortal epidemia e, como fosse médico, Jussieu ofereceu-lhes os seus serviços. Finda a luta, prosseguiu na jornada, visitou umas tantas cidades, colecionou umas tantas flores, e por lá se deixou ficar por trinta anos.
- Que admirável terra dizia ele. Tantas plantas novas, tantas árvores notáveis, tamanha riqueza em insetos! Como voltar a Paris?
Ano após ano foi Jussieu acrescentando a sua coleção, e para isso mergulhava fundo nas florestas virgens, galgava os mais altos píncaros, varejava pantanais. A sua coleta assumia proporções desmarcadas, e pari-passo ele ia conduzindo um grande trabalho de estudos científicos. Nas comunicações de lá feitas a Academia Francesa  falava em voltar e dizia da sua ânsia de tornar conhecidos na Europa os mais fascinantes espécimes da flora sul americana.
Finalmente, depois de devotar metade da vida a esse estudo, deu-o Jussieu por findo. Conquistara o direito de morrer em paz em sua terra – e ao tratar do retorno não se esqueceu da chinchona.
La Condamine pensara em levar mudas; Jussieu pensou em sementes. Escolheu-as muito bem – milhares, e acondicionou-as em caixa bem fechadas. E manteve aquilo sempre a vista, como se se tratasse dum incomparável tesouro de diamantes e rubis. Esse cuidado excessivo foi sua desgraça.
Em Buenos Aires, onde ficou a espera do navio, um criado estranhou aquela extrema vigilância e, convencido de que realmente se tratava de um tesouro, roubou certa noite a preciosa caixa. Vendo que nada continha se não sementes deito-a fora, num acesso de raiva.
Ao descobrir a grande perda, Jussieu caiu em profunda tristeza. Lá se fora o que ele apreçava acima de tudo! Deu queixa as autoridades, mas ninguém conseguiu por unhas no ladrão.
Melancolicamente embarcou para a terra natal o pobre francês. Seus colegas em França, entusiasmados com as comunicações recebidas, as quais já tinham valido a entrada para a Academia, foram espera-lo no cais. Jussieu não os reconheceu. Havia enlouquecido.
A superstição indígena atribuía a quina um feitiço malévolo. Superstição ou não o fato é que ainda não foi desta vez que a quina, árvore, chegou a Europa.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943