quarta-feira, 30 de março de 2016

Digitalis: Da Glória a Desgraça

Ainda que com todas as cautelas, quem poderia resistir a tamanho louvor? Mas havia mais.
“Este remédio, quando não cura, alivia os doentes acima de todas as expectativas”. Cura a “Phthisick” ou Ulceração dos pulmões em casos em que todos os outros remédios nada conseguem, Abre a Respiração e os Pulmões, liberta-os da Flegma, limpa a Ulcera e curam quando já nenhuma esperança há para o doente.
Digitalis
“Tenho-o visto operar Assombros, e falo aqui de longa Experiência”. Pessoas vítimas de consumpção e desenganadas por todos os médicos, estranhamente sararam e engordaram. Eu o recomendo como um Segredo que deve ser guardado como um tesouro. Estas dez linhas sobre este Medicamento valem. Só elas, dez vezes o Preço deste livro...
“Espero que os doentes em miserável estado... fizerem uso do remédio acima indicado, comuniquem os seus Agradecimentos por esta Notícia, e consequentemente amaldiçoem os Charlatães Sanguessugas, os Aplicadores de Cataplasmas que os avaliam de seu Dinheiro e Bens, e continuarão a fazer isso se os pacientes continuarem em suas mãos...”
Assim fala William Salmon o herbalista. Não há duvida que o entusiasmo excessivo o induzisse a muito erro. A digitális não produz os miraculosos efeitos apontados, nem cura a tuberculose; mas naquele tempo, e ainda muitos anos depois, era difícil distinguir entre a tuberculose que a digitális não cura e a hidropisia  dos pulmões, que ela cura ou alivia. Essa confusão entre as duas doenças estava destinada a prolongar-se ainda por duzentos anos.
Graças ás ardorosas exortações de Salmon, a digitális abriu caminho no campo da ciência. Médicos que até então haviam desprezado a planta, passaram a receitar cozimento das suas folhas, flores e raízes. Mas ainda havia resistências.
Por esse tempo, na cidade de Orleans, um cientista francês, depois da visita a um galinheiro, arruinou a reputação gozada pela digitális. O caso foi assim. Esse médico, Dr Salerne, ouvira falar dum peru que morrera em consequência duma ingestão de folhas de digitális, e resolveu tirar a prova em seu galinheiro. Para isso empanturrou á força dos perus com folhas de digitális. Quatro horas depois os perus pareciam ébrios, mal podendo manter-se em pé. A aplicação da digitális continuou por uns dias e as pobres aves foram definhando. Quando morreram e foram abertas, o interior estava seco como se houvessem  passado por uma estufa; pulmões, coração, fígado, estomago e bexiga tudo dessecado!
Uma alarmada comunicação foi remetida á Academia de Ciências de Paris, e a novidade espalhou-se por todos os recantos da Europa. O resultado foi que a digitális de novo perdeu a partida, acabando expulsa das farmacopeias. Medico nenhum animava-se a prescrever uma coisa que ressecava daquela horrível maneira os pacientes.
Os velhos inimigos da pobre planta rejubilaram-se de vela na lista negra. Mas os camponicos e as velhas mezinheiras não dão tento as coisas escritas. Vinham já de longa data usando a digitális, muitos seculos antes da sua admissão na farmacopeia, e continuariam a usá-la apesar do repúdio. Os perus ressecadas não tiveram força para mudar o parecer dessa gente.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

segunda-feira, 21 de março de 2016

Ervas Daninhas Comestíveis

Portulaca oleracea L; família Portulacacea
Portulaca oleracea, L.
No Brasil, beldroega-de-comer, beldroega-de-horta; beldroega-pequena; beldroega-vermelha; bredo; bredo-de-porco;caaponga,porcelana,salasa-de-negro,verdolaca.
Descrição:
A beldroega é uma planta anual, herbácea, carnosa, prostrada e ramificada. Apresenta, às vezes, folhas e caules avermelhados, pela presença de antocianina, que dá cor as folhas, flores e frutos dos vegetais. Suas folhas são simples, alternadas ou opostas, na maioria das vezes, e de forma espatulada. As flores, solitárias ou não, situam-se no ápice dos ramos e apresentam coloração amarela. Seus frutos são capsulares, com muitas sementes, redondas, achatadas e escuras.
Origem
Embora se considere que a beldroega seja de origem europeia, uma planta conhecida atualmente no mundo inteiro. Seu uso como alimento data de tempos remotos, tendo sido degustada na Pérsia e na Índia. Naturalistas da Antiguidade também a mencionam como de uso comum na Grécia clássica. Provavelmente foi trazida para as Américas na primeira metade do século XVII, como verdura, tornando-se subespontânea, ou seja, adaptando-se bem e espalhando-se naturalmente, em quase todos os países.
Uso em medicina popular
A beldroega é rica em proteínas, vitaminas A,B e C , cálcio, fósforo e ferro. Ao longo dos séculos, foi empregada na cura do escorbuto. Sua mucilagem, substância viscosa, confere-lhe virtudes emolientes, tanto para uso interno quanto externo (tumores). É também depurativa, diurética e vermífuga.
Usos culinários
Esta planta pode ser aproveitada totalmente na cozinha, com exceção das raízes, que são amargas e duras. O caule e as folhas são crocantes e tem sabpor agridoce. Essas características são mais bem apreciadas quando caule e folhas são ingeridos crus, sob a forma de salada. A beldroega refogada também é deliciosa e seus talos e folhas podem engrossar caldos e sopas, substituindo a maisena. Suas sementes, embora pequenas, servem também à alimentação humana. A planta em frutificação deve ser arrancada, seca sobre pano e depois batida. As sementes são então moídas e misturadas ao trigo ou a outras farinhas, utilizadas no preparo de docves, bolos e pãeszinhos, As sementes de beldroega dão a essa mistura uma cor escura e um sabor peculiar.


Livro: Ervas Daninhas Comestíveis – autor desconhecido - 1943

quinta-feira, 17 de março de 2016

A História dos usos da Digitalis

A História dos usos da Digitális
Digitalis
Por toda a Europa ocidental os botânicos conheciam muito bem uma planta de porte ereto e flores em forma de campainha, hoje chamada de digitális. Muitos nomes teve ela antes do atual. Na Inglaterra medieval era a “floxes’ glew” ou “foxes’music”. Os escoceses tratavam-na de “dedos santos” ou “campainha de defunto”. E para os noruegueses era a “campainha da raposa”. Na França, “Luva de Nossa Senhora” ou “Dedos da Virgem”. Para os alemães “Capuz de dedo” ou “Dedaleira”, e com esta ideia na cabeça os botanicos latinizantes deram-lhe o nome de digitalis, vindo de digitus, dedo. Um destes botânicos, o bávaro Leonhard Fuchs, que viveu há 400 anos, fez mais que descrever a planta nas suas folhas, flores, caule, raízes, sementes e habitat. Convencido de seu valor medicinal, também lhe indicou os usos na pratica medica; era ótima para combater a hidropsia, para reduzir a inchação do fígado e ainda para atender ás “suspensões” das mulheres.
Mas esse arguto observador era tido apenas como um “florista” e, embora conhecesse bastante de medicina, os médicos do tempo nunca lhe deram atenção. Também não davam atenção a outros proclamadores de eficiência da “campainha de defunto” na redução da “barriga d’água” , homens como Gerrarde, que a usavam como emético, ou o holandês Dodoens, o qual  escreveu que “para os que tem água na barriga, ela põe fora o líquido, purifica o fluido colérico e desfaz a obstrução.
Os cientistas da botânica admiravam-se da diferença dos médicos por aquilo. O uso da digitalis já estava espalhadíssimo no povo inculto, tanto na Inglaterra como no continente. Essa gente nada sabia de medicina, mas sabia preparar cozimento de digitalis para os hidrópicos. Os médicos, porém continuam em branca nuvem.
Assim repelida durante séculos, a digitális afinal quebrou todas as barreiras e penetrou na fortaleza medica. Em 1722 foi admitida na grande farmacopeia de Londres, que é o “Who’s Who” das drogas aceitas na medicina; alguns anos mais tarde estava também nas farmacopeias de Edinburgo, de Paris e de Wurtemberg. A razão desse passo decorreu sobre tudo do brilhante testemunho do herbalista inglês William Salmon.
“A luva – de – Raposa”, descreveu o eminente cientista, “é quente e seca pelo menos no Segundo Grau, e é sulfurosa e Salina, Aperitiva, Abstersiva, Adstringente, Digestiva e Vulnerária, Peitoral, Hepática e ArtríticaEméticaCatártica e Analática...”Cura a tisica, mas tem que ser usada com muita cautela porque produz Fraqueza, induz a Vomitos e Purgas;


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

sexta-feira, 11 de março de 2016

Os caçadores de micróbios e a quinina

A história da quinina e da luta da ciência contra a malária, empreendida há já trezentos anos. Foi uma história que se desenrolou de Madri a Lima, Londres a Paris, e percorreu os Andes, chegando até a Índia e a Ilha de Java. Mas essa história sofreu um desvio de rumo em 1879.
Até esse ano a malária era combatida as cegas. A quinina curava, mas ninguém sabia porque nem como, porque ninguém sabia qual era o transmissor da moléstia.
A partir de 1879, porém, os caçadores de micróbios entram em campo. Armados com as descobertas de Pasteur, Koch, Behring, Roux e outros, os bacteriologistas tomaram seus microscópios e declararam guerra aos agentes tropicais da morte.
Este é o Anofeles
Em 1879 Patrick Manson descobriu que a filariase, infecção parasitária como a da malária, difundia-se por meio da picada do mosquito. Meses depois Laveran examinando ao microscópio o sangue dum malariento descobriu o que procurava: os terríveis germes que invadiam os glóbulos vermelhos do sangue.
Em 1883 King denuncia o mosquito como o transmissor da malária e imediatamente dúzias de estudiosos ingleses, italianos e franceses começam a agir de acordo com a nova ideia. Antonio Grassi estuda o caso das aldeias italianas infestadas de mosquitos e Ronald Ross faz o mesmo na Índia.
Ao cabo de onze anos a obra de Ross estava completa. Eles e outros haviam provado da maneira mais absoluta que a malária tem como causa um germe, um estranho micróbio que passa um pedaço de sua vida no mosquito e outro no organismo humano, as anófeles. E mostrou que a quinina é efetiva porque destrói o micróbio da malária no sangue humano.
Por esta informação, obtida com sacrifício de sua própria saúde, Ross obteve o premio Nobel em 1902.
Os novos fatos coligidos tornaram viável o ataque á malária de outra maneira, a preventiva. Engenheiros e o exercito da saúde pública passaram a combater o mosquito e as águas estagnadas onde eles se proliferam. A luta fez-se com enxadão e pá, com dinamite e petróleo. Milhões de focos foram destruídos. Aqueles requeimados homens da luta ao ar livre formaram uma sagrada aliança com os pálidos investigadores de laboratório.
Enquanto tais combates se travavam nesses setores, os químicos insistiam em penetrar nos segredos da quinina. Em 1879, quando Mason descobriu a filariase, Skraup, na Alemanha, encontrou uma das unidades da molécula da quinina peça importante que recebeu o nome de quinolina. Ao tempo em que Rios encerrava os seus notáveis estudos na Índia Koenigs descobria na Alemanha outra unidade da quinina, á qual deu o nome de meroquina. Em 1907, sete anos depois da concessão do premio Nobel a Ross, dois alemães, Rabe e Hoerlein, descobriram que a molécula de quinina era composta de uma unidade de quinolina e uma de meroquina, entre ligadas por uma simples unidade de álcool.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

sábado, 5 de março de 2016

A epopeia de roubar as mudas do Peru.

Era o momento de fugir depressa.
Markham, entretanto, não o quis fazer sem dar uma resposta ao alcaide. “Segundo me parece”, escreveu ele, “diante da Constituição do Peru, de 1856, vossas funções são apenas consultivas e legislativas, e não executivas... Aproveito desta oportunidade para expressas4 a minha apreciação pelo vosso patriótico zelo... Mas lamento que esse zelo seja acompanhado de tão lamentável ignorância dos verdadeiros interesses do vosso país”.
Markham entregou esta nota a um mensageiro e ordenou que a levasse ao alcaide. Depois voloru-se para Weir:
-Logo que o alcaide ler esta nota, teremos á nossa cola todo o exercito peruviano, mas isso não será senão daqui umas horas. Toca fugir...

A preciosa bagagem foi ajeitada no lombo dos muares; por cima foram colocadas as tenras mudinhas, e a descida começou; mas a algumas milhas adiante viram-se bloqueados por um grupo de homens. Markham da pistola e tais fez o grupo bater em retirada.
- Ora graças! Exclamou ele. Eu não poderia dar um só tiro porque a pólvora está molhasa...
Mais adiante uma das mulas escorregou e caiu numa perambeira. Markham desceu para salva as mudinhas; enquanto Weir, nada amigo de perder tempo, aproveitou a espera para colher mais plantas.
No primeiro povoado tiveram a impressão de que o Peru inteiro estava na sua cola. Os moradores da biboca já não se mostravam amistosos. A aquisição de provisões ia se dificultando; e animais de carga só lhes prometiam com a condição de voltarem por onde tinham vindo, isto é, Puno. E foram avisados de que outra diligencia os estava esperando nessa cidade sob o comando do próprio Coronel Martel.
Isso vinha alterar-lhe todos os planos. Foi resolvido então que Weir seguisse com as mulas que tinham, enquanto Markham, acreditando na velha pistola, furtou mais três, no lombo das quais levou o grosso das plantas.
Acompanhado de alguns nativos, corajosamente fez-se Weir de rumo a Puno, ao encontro do ameaçador coronel.
Se Weir fosse colocado na alternativa de perder as mudas para salvar os pés, muito bem, deixaria que Martel destruísse as mudas e salvaria os pés.
Markham, entretanto, ia defrontar um problema mais serio. Com três mulas  e um guia que, como depois verificou, nunca havia saído de sua aldeia natal, partiu ele para Arequipa por um diferente caminho. Com o auxilio da bussola e de mapas muito grosseiros tencionava romper em linha reta através dos andes.
Nada mais absurdo e perigoso, impossível e louco; mas apesar disso, dez dias depois de ter-se separado de Weir, Markham chegava a Arequipa. E dois dias depois apareceu Weir, firme nos dois pés, mas sem mudas, e os dois la seguiram para o porto de Islay em busca do consulado inglês.
A primeira variante da expedição de Markham fora bem sucedida. As plantas foram para bordo dum navio destinado ao Panamá, onde Haveria transbordo para Londres. A segunda variante também falhou. Meses depois da chegada de Markham aparecia Pritchett, vindo lá do vale Caravaya com uma coleção de mudas das florestas do Huanaco.
No Equador Spruce reuniu milhares de sementes da chinchona vermelha e as expediu com segurança para Londres. Também apanhou um severo reumatismo e uma doença nervosa, dando lhe veio a paralisia intermitente que nunca mais o abandonou.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943