domingo, 22 de janeiro de 2012

Rei dos Mangues: Guaparaíba

Guaraíba ou “mangue vermelho” por excelência, “mangue pendão”, também “mangue de sapateiro”, o “mangue verdadeiro”, é o mais rico de tanino, o que reúne em mais alto grau todas as quantidades dos outros mangues. “De pendão”, porque apendoa em cachos brancos , é ele o tipo modelar das “Rhizophora mangle”, e Mayer “Rhizophora racemosa”, “Racemosa”, isto é, “de cachos”, “de racemos”, que nos parece melhor que o “racimo dos dicionários portuguezes. Supõe-se que o “Rhizophora” de Meyer difere seu tanto de Linneu. Pouco importa, já que a extensão de nosso litoral deve levar a isso mesmo.
É esse o mangue a que se dedica esta noticia, é isso pela importância que ele acaba de assumir nos países da Europa que têm nas suas colônias.
Foram achadas no mangue de pendão ou racemoso as qualidades que eram há muito procuradas noutros lenhos pelos construtores e fabricantes de toda a espécie: - rigidez e estabilidade, inatacabilidade pela seca ou pela humidade, e ductilidade. O Conservatório Nacional das Artes e Ofícios de paris submeteu a diversas experiências toros desse mangue procedentes da Indo-China. Depois de 24hs de mergulhado em água, um pedaço de mangue vermelho só absorveu 106 miligramas de líquido por centímetro cúbico, ao passo que, no mesmo lapso de tempo e também pela mesma unidade centimétrica absorve o carvalho 262 miligramas e o pinheiro europeu 546.Experimentado sobre outros pontos de vista, chegou-se a concluir que si os insetos o não atacam é isso devido à sua grande riqueza de tanino. Assim está ele isento do apodrecimento, porque apodrecimento é produzido nesse caso por germes que atacam a madeira, por microorganismos que pululam em todos os climas, afeitos a essa obra de destruição. Verificou-se mais, que o mangue de pendão resiste maravilhosamente aos esforços empregados para vergá-lo, e que essa resistência é duas vezes maior que a do carvalho e quatro que a do pinheiro. Experimentando-se sobre as suas resistências ao esmagamento, tanto no sentido longitudinal como no transversal das fibras, ele provou que é duas vezes mais forte que o carvalho, e três que o pinheiro.
Quanto à resistência que, pode oferecer à torção, deixou essas duas testemunhas em plano inferior e excedeu-as em flexibilidade.
O mangue do nosso litoral se presta as mil maravilhas a diversissímos empregos:- dormentes de estrada de ferro, postes telegráficos (não apodrece e não verga), revestimento de galerias subterrâneas, estacarias, cabos de instrumentos de grande esforço (instrumental de cirurgia), de marcenaria, construção naval etc.

Bibliografia:
Alamanaque Agrícola Brasileiro - 1915 - J Silva pág 81 a 83

domingo, 15 de janeiro de 2012

O Mangue: Uma preciosa árvore do litoral

Arvores de Mangue

O Mangue é uma planta dos nossos terrenos de marinha e só não conhece quem nunca se abalou do interior para as nossas praias. Quem a vê pela primeira vez quer logo saber o nome, tão esquisito se lhe mostra e tão diferente das outras plantas de serra acima. O que mais dá na vista desde logo é aquela propriedade sua em virtude da qual de certa altura para baixo emite ele galhos nus que, em vez de subirem, descem tortuosamente para a água salobra, nela se enterram com raízes e dela emergem mais adiante como um novo pé de mangue, sempre e indefinidamente, formando por baixo, acima do solo, um emaranhado de milhões e milhões de braços recurvos e lisos, que avançam para os troncos, enquanto por cima se lhes extende a copa verde clara, mas de um verde polido e metálico.
Os mangues de Santos são desprotegidos da câmara municipal daquela cidade. Por isso dia a dia rareiam e se encurtam, dizimados pela foice do lenhador, de modo que se as coisas assim continuarem, longe não estará o tempo em que virão desaparecer de todo. Além dessa devastação desenfreada que os reduz a feixes de lenha, têm eles ainda contra si a desvantagem de plantas mais ou menos ricas de tanino, de modo que à obras dos lenhadores se ajunta em não pequena escala a dos cortidores de couros. Desses mangues disse o padre Simão de Vasconcellos, na sua “Descrição de Bahia”, que eles galanteiam de verdura as margens das ribeiras e dos rios, “mui engraçados, não só; por verdes, mas por aquelas singulares laçadas  com que a natureza vigorosa os inredou, porque do mais alto de seus braços lançam vergônteas a beber nas águas, e nestas, como luxuriando dos braços fazem pés, arraigam no fundo, criam raízes, e tornam a brotar ao alto, troncos diversos e diversos ramos”. Disse mais: -“Não dão estas árvores fruto algum; recompensam, porém com vários préstimos em proveito maior dos moradores, porque aqueles braços que dissemos lançam do alto a prender outra vez nas águas, formam cada um cinco e seis antes que cheguem á vasa, as quais, naquele espaço que lhe chegou a água das marés, se cobrem com tanta qualidade de ostras, umas sobre as outras, que talvez seja bastante um só pé destes para encher um cesto. Debaixo destas mesmas raízes se cria tanta cópia de caranguejos, que, sendo muitos milhares os moradores, principalmente serventes e escravos, a todos dão pasto cotidiano e gostoso só os que andam pelas margens dos rios. Com a folha destas árvores pisada se fazem os curtumes de toda courama do Brasil, muito mais brevemente que com o sumagre de Portugal; e com a casca pisada se dá a tinta vermelha e engraçada que tem os mesmos couros. “Dos seus troncos se fazem as melhores e mais incorruptíveis madeiras para todos os altos das casas, como são caibros, enchimentos e pilares; e vem á ser esta árvore infrutífera a de maiores préstimos”.

Bibliografia:
Alamanaque Agrícola Brasileiro – 1915 J. Silva

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Hermann von Ihering em São Paulo

Hermann von Ihering

Depois Hermann perdeu seu emprego no Museu Nacional a vida lhe reservava uma grande reviravolta e o levava direto com toda a família para São Paulo.
Nessas circunstâncias foi com prazer que aceitou em 1892 o convite de Cazario Motta para organizar um museu de história natural em São Paulo. O quase bric a brac cognominado de Museu Sertório que encontrou anexo à Comissão Geográfica e Geológica foi se transformando; instalado depois no Museu do Ipiranga, foi o Museu Paulista franqueado ao público em 1895 e ai o Dr Ihering trabalhou com a máxima dedicação pelo constante desenvolvimento das coleções até 1916. Os nove volumes da revista do Museu Paulista contam o que ele fez durante esses 23 anos pela exploração biológica do nosso país e os seus amigos sabem quanto lhe eram caras as coleções,a biblioteca e o jardim botânico. Morando em prédio vizinho ao monumento e não cuidando de outros interesses, raramente saía da área sob sua jurisdição, a não ser em excursões científicas, e estas as realizava principalmente em outra área também sob seu governo, a estação Biológica do Alto da Serra, criação sua, outra testemunha da tenacidade com que procurava vencer a indiferença do governo pelas coisas da nossa natureza.
Ia ao Museu todas as manhãs inspecionar os trabalhos, dar providências, desembaraçar-se em fim dos encargos que não fossem puramente científicos; estes deixava para depois do almoço, porque sabia que, atracado a algum problema mais serio, diria distraidamente “sim” ao porteiro que ao meio dia costumava lembrar-lhe a hora e continuaria escapelando a questão. Depois de uma hora era um tanto perigoso ir consultá-lo porque debruçado sobre o livro, o material de estudo e as suas notas, não respondia a pergunta, mas daí a momentos aproveitava o recém-chegado para lhe expor com toda a clareza as dificuldades que encontrava no problema e porque não aceitava as explicações de fulano, mas preferia as de outro autor, naturalmente com tais e tais outras restrições. Quem é que depois de uma tal pretensão tinha jeito para lhe perguntar coisas terra a terra?
Em todas as suas discussões era sempre muito franco, pouco se lhe dando se quem o ouvia tinha convicções semelhantes ou diametralmente opostas; mas se percebia que a simples demonstração pormenorizada não bastava para convencer, largava a discussão em meio.
Alegrava-o em extremo qualquer achado paleontológico que fosse melhor documento do que o Pithecantropus, sobretudo quando foi das revelações de Ameghino, cujo “homem terciário”, no entanto sempre pos em dúvida.
Com prazer discutia esses assuntos enquanto tivessem por base qualquer materialde estudo; um osso, e que fosse apenas um fragmento, acompanhado de algum molusco ou de outros indícios da idade geológica;
Com simplicidade encarou a trama que em seu redor urdiram afim de alijá-lo da administração do museu. O que mais lhe doía era perceber que sempre o tratavam como estrangeiro, quando por tudo se considerava bom brasileiro e tão digno de o ser como qualquer tanto pelos seus sentimentos como pelos trabalhos, inteiramente devotado a sua pátria adotiva.

Bibliografia:
Almanaque Agrícola Brasileira 1919

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Hermann von Ihering no Rio Grande do Sul

O casal seguiu para o Rio Grande do Sul, onde o médico e filósofo contava dividir seu tempo entre clientes e assuntos zoológicos. Viajou pela campanha era o que mais lhe convinha e assim conheceu todas as regiões da então província; coletava toda sorte de animais e plantas e relatava os resultados das suas pesquisas em numerosas revistas européias; estudou as minas de carvão, verificou as condições favoráveis  do meio a imigração alemã e por isso escreveu um livro em que expôs as vantagens que a terra gaucha oferecia aos seus compatriotas.
Avolumando-se as suas coleções, foi obrigado a escolher residência definitiva e assim optou por uma ilha na foz do rio Camaquã onde construiu confortável residência.
A esposa, encantada com essa vida de campo, encarregava-se da administração das plantações e da criação, enquanto o Dr Ihering acudia aos doentes e elaborava monografias, já então nomeado naturalista do Museu Nacional com sede no Rio Grande do Sul.
O antigo dono da ilha cuidava ai da criação de cavalos em larga escala e se não fosse a grande diferença de preço entre o que valia cada animal e o que o proprietário original cobrava e o naturalista teria comprado toda a manada de éguas. Longos anos a família residiu nesta propriedade que ficou até com o nome de ilha do doutor.
Os clientes eram poucos apesar de não haver outro médico em quilômetros de distância. Os doentes não tinham como pagar o doutor por isso o medico aceitava animais como pagamento por seus serviços e remédios que era obrigado a fornecer. Um caso leve pagava-se com um frango, casos mais difíceis eram pagos com uma manta de charque e os mais caros com uma canoa de lenha. Em breve todos os vizinhos, algumas léguas rio acima ou lá na lagoa dos Patos eram amigos e compadres.
As excursões médicas combinavam com as zoológicas e assim, certa vez, tendo de visitar um doente, pôs a caminho com a intenção de apanhar alguns molúsculos no brejo que deveria atravessar. Quando chegou junto ao leito do enfermo, estava com o calçado molhado e as meias no bolso. Em suas atividades médicas até ferramentas de dentista carregava, pois por vezes era obrigado a agir com tal.
Com a proclamação da república os jacobinos entenderam que toda a ciência feita pelos naturalistas estrangeiros do Museu nacional não contrabalançava uma demonstração de sentimentos patrióticos. Assim, em uma canetada só todos os estrangeiros que prestavam serviços ao Museu Nacional foram demitidos e com isso sua única remuneção em dinheiro foi cortada. Apesar do corte continuou com afinco a trabalhar na zoologia, a serviço de museus europeus.

Bibliografia:
Almanak Agrícola Brasileiro, 1920 pág 132