sábado, 30 de março de 2013

Guaraná segundo Von Martius


O guaraná, a pasta de guaraná, não deve ser confundido com a goma caraná, foi pela primeira vez divulgada ao que me consta por Virey; e ele a atribui a Rihizophora Manyle. Sou capaz de dar mais preciosa elucidações  sobre este singular produto da indústria indígena, posto que não só observei a planta originaria no próprio país, como também presenciei a sua preparação pelos indígenas.
Guaraná
Esta substância é preparada de uma semente de espécie até agora não descrita de Paulinia, e que denominei Paulinia sorbilis, Mart. Ilustrando-a num opúsculo que meu irmão, T. W. Martius em Erlangen, vai publicar sobre a droga.
É um arbusto com ramos separados, atingindo no máximo a altura de um homem, e nasce espontaneamente nas matas secas da província do Rio Negro. Eu o vi na barra do rio Negro, onde no mês de novembro apresentava simultaneamente flores e frutos quase maduros, e mais  tarde no canal dos abacaxis, no lago Canoma e na vila Topinambarana.
Os índios colhem os frutos maduros, retiram as sementes, que são de cor negra, ovalares, do tamanho de avelã, e envoltos, na metade inferior, por um pedúnculo branco e feculento.
Estas sementes são esmagadas entre pedras aquecidas e, no caso por mim presenciado sem outro ingrediente, segundo o que afirmam vários brasileiros,ás vezes também adicionadas, misturadas e amassadas com cacau e alguma fécula de sedimento da raiz de mandioca, até que estejam bem aglutinadas e possam ser amoldadas a qualquer forma desejada. Na maioria das vezes tem a forma de fuso ponte agudo ou de um cilindro, raras vezes são globulosas. Sendo desecada ao ar na sombra, ou sobre a fumaça das cabanas, endurecem tornando-se um corpo de cor pardo-castanho, entremeado aqui e acolá de partes mais claras e amareladas, tuberosas, de grande dureza e peso, é neste estado é objeto de intercambio.
Também é igualmente a industriosa nação dos Maués no rio Maué, no lago Canoma e no rio Madeira, a que se ocupa tanto do comércio da Cássia caryophyllata, como também especialmente da fabricação deste produto.
Destes maués é que em primeiro lugar o obtiveram os navegantes brasileiros que iam para o Madeira e vinham do Mato Grosso, e por intermédio destes últimos espalhou-se o uso do mesmo por todo o Brasil, a ponto de faltar muito raramente na compêndiosa farmácia dos viajantes. O vulgo o considera, simultaneamente, estomáquico, antifebril e afrodisíaco, e devo, sem dúvida, confessar que estou indeciso sobre o caráter dominante, que a esta substância poderia ser atribuída.
Meu, irmão encontrou na mesma alguma resina, matéria extrativa, tanino, mucilagem, amilo, e um principio amargo. Usei contra cefalalgia motivada por impureza gástrica, e esta febre me atormentou durante dois meses.
O guaraná faz bem aos brasileiros que vivem em geral sobriamente, porém muitas vezes estão sujeitos às influencias maléficas acima mencionadas: resfriado, mudanças meteorológicas, umidade, emoções e assim por diante, e isto de tal maneira que a consideram Panacea Peregrinantium.

Bibliografia: MARTIUS, Von – Sobre Algumas Drogas Brasileiras – Revista da Flora Medicinal – 1936 – Tradução do farmacêutico Oswaldo Riedel

sábado, 23 de março de 2013

As quinas verdadeiras


As espécies de quina verdadeira pertencem a algumas que encontrei no interior da província de Rio Negro, Amazonas, nos limites do domínio na mesma latitude onde são encontradas as melhores quinas peruanas, devendo por isto, em parte, serem de excelente efeito. Já comuniquei ao Sr Heinrich Von Bergen, que a fará aparecer ilustrada na comunicação de seu notável trabalho sobre as espécies de quina, e a divulgará, com as descrições feitas pelo Sr Alexandre Braun.
 Menciono estas três espécies: Cinchona lambertiana. Bergenioana e Macrocnemia. A Chinchona lambertiana é a que mais se assemelha, externamente, as Quina de Loxa: sua epiderme é da mesma coloração cinzenta, porém provida de sulcos longitudinais e não transversais; o corpo cortical propriamente é mais vermelho do que o da Loxa vera. Também no sabor Ella se assemelha a Loxa, porém possui menos pronunciadamente aquele ressaibo próprio às espécies de quina, e nauseabundo a certas pessoas.
A Cinchona Bergeniana é a mais fraca das três novas espécies; possuo, da mesma, somente alguns pedaços descascados e finos, assemelhando-se externamente aos da Loxa lisa ou Jaen, sendo internamente de coloração menos rubra. A Cinchona macroenema se distingue de todas as qualidades até agora conhecidas por mim, pela coloração da casca, que de castanha passa ao vileta, onde Ella se destaca da epiderme, o que em meus fragmentos facilmente ocorre. Elas são consideravelmente ricas em resinas, porém não destituídas de aroma, e possuem amargor que só mais tarde vai agir, nitidamente, sobre a língua. Não quero por em dúvida que em todas estas espécies não existam os alcaloides e ácidos específicos, que asseguram a eficiência da Cortex peruvianus.
As regiões onde foram colhidas, no alto Japurá entre as quedas de Cupati e Araracoara, distinguem-se, na vegetação toda, das matas mais baixas no Solimões e Rio Amazonas, e dão assim, lugar a hipótese, que as plantas que aqui espontaneamente surgem, tem mais afinidade, em sua natureza, ás dolimitrofe Perú, do que as da região do rio, onde os portugueses, não obstante todos os esforços, não puderam descobrir nenhuma quina.
Assim teria o Brasil, de acordo com estes dados 10-12 espécies de Rubiaceas da tribo das Cinchonaceas, que representam mais ou menos as espécies peruanas. São mencionáveis como falsas, se bem que excelentes quanto a ação antifebril: Strychnos pseudoquina, St. Hil. Usada em Minas Gerais como quina, Solanum pseudoquina St. Hil, nas províncias sulinas, a quina do Piaui da Quinografia de Veloso, que também é um Solanum, e a Coutinia ilustris do mesmo autor, uma apocinácea, da qual se origina a quina de Camamú no distrito de Ilhéus da província da Bahia. Também a genuína Quassia amara  é designada, em algumas regiões do Brasil, pelo nome de Quina.

Bibliografia: MARTIUS, Von – Sobre Algumas Drogas Brasileiras – Revista da Flora Medicinal – 1936 – Tradução do farmacêutico Oswaldo Riedel

sexta-feira, 15 de março de 2013

As quinas brasileiras

Remijiana ferriginea

Nenhuma das qualidades peruanas genuínas tem coloração escura idêntica, e a Chincona rubra que apresenta em alguns indivíduos maior analogia na coloração se distingue á primeira vista pela estrutura fibrosa longitudinal, de fratura espetada, pois que a quina do Rio de Janeiro apresenta uma superfície compacta e finamente granulosa. O sabor da casca tem grande semelhança com o da C. regia e da Huanuco, porém é mais amarga e resinosa. Em virtude do maior teor em resina e de maior dureza a casca estala mais entre os dentes, e se aglutina um pouco.
No terceiro volumes das Memórias da Academia de Lisboa, encontra-se a analise química desta casca e sua comparação com três outras espécies peruanas, cujo resultado induz Bernandino Antônio Gomes a considera pertencente às verdadeiras quinas, porque também contem cinchonina. Este princípio fora desenvolvido na casca após a ação do calor em certo grau, enquanto que nas espécies peruanas já existe em liberdade e por este motivo seria a quina do Rio de Janeiro especificamente ativa em decocto e menos em infuso; isto também comprovei na prática, onde o emprego da casca brasileira in substantia não fornece os resultados eficientes esperados, enquanto que o decocto nada deixou a desejar.
As restantes qualidades de quina, que até agora são conhecidas no Brasil, são as seguintes: Quina do Piaui, divulgada em primeiro lugar pelo governador da província do Piaui, Don Diogo de Souza. Origina-se de uma espécie ainda não descrita de Exostema, que denominei E. souzanun
Quina da serra ou do campo; Quina de Remijo, Cinchona ferruginea, Vellozzi e Remijiana, St Hil, de Minas Gerais
Quina do mato, nas selvas da serra do mar entre o Ripo de Janeiro e a Bahia, talvez a Exostema cuspidatum, e próxima a ela a casca da E. australe do mesmo autor.
É difícil estabelecer, que resultados tiveram as diversas experiências clínicas, feitas em hospitais portugueses com as espécies de quinas brasileiras, e o que deve ser atribuído à mencionada quina do Rio de Janeiro ou das outras aqui citadas, pois que as descrições das cascas são, nas próprias divulgações do Jornal de Coimbra de tal modo incertas, a ponto de se não poder reconhecer as espécies.

Bibliografia: MARTIUS, Von – Sobre Algumas Drogas Brasileiras – Revista da Flora Medicinal – 1936 – Tradução do farmacêutico Oswaldo Riedel

domingo, 10 de março de 2013

Myristica sebifera


Há muitos anos está em uso no Pará a Myristica sebifera, uma espécie de noz moscada, afim de preparar uma espécie de cera das sementes cozidas e expremidas,, particularmente porém do ariloque as envolve, e que conhecemos, da noz moscada genuína pelo nome de macis. Seria de se desejar que fossem quimicamente determinadas as relações existentes entre a cerina e a miricina, nesta substancia. É utilizada com proveito em velas, e como os frutos pertencem a uma árvore grande e que não é rara, é fácil a obtenção de considerável quantidade desta substância. Obtive pelo Sr. Schadelook substancia parecida, conservada em tubos ocos e obtida por maneira análoga de uma espécie de Myristica a Bicuiba ou Uicuiba, que denomino M. Officinalis, e que nasce nas matas de Ilheus, um município da Bahia. Os índios e os colonos civilizados daquela região utilizam esta substancia, que é de cor amarela e mais fluida, de sabro irritante em virtude de não pequeno teor de resina e óleo essencial, frequentemente em fricções contra dores reumáticas, artríticas e hemorroidárias, e ainda contra cólicas. Pode ser, de algum modo considerada Balsamo Nucistae natural, e emprega como o mesmo. A preparação pelo indígena é evidenciada pelo modo grosseiro de acondicionamento, em cilindros ocos de gramíneas arboríferas.
A Radix Contrayerva aqui apresentada é a mais frequente espécie da Bahia. Origina-se da Dorstenia brasiliensis e daquela planta, que vulgarisei sob o nome de Dorstenia opifera. As raízes da ultima são mais feculentas, porém menos aromáticas que as da D. Brasiliensis e são, de resto, empregadas do mesmo modo que aquelas.
O Brasil não pode se ufanar, com efeito de possuir uma casca de quina que possa cotejar com as melhores espécies peruans, no entanto pertencem aos excelentes febrífugos varias drogas, que conhecemos como casca de quina brasileira. Esta, que tenho a honra de aqui em primeiro lugar apresentar, é a genuína “quina do Rio de Janeiro”, atribuída erroneamente pelo médico e literato de mérito Manoel Joaquim Henriquez de Paiva na Bahia, e por outros médicos brasileiros, à Coutarea speciosa, Aubl porém identificada como Buena hexandra recentemente pelo meu sábio amigo Dr. Pohl em Viena. Esta árvore cresce, frequentemente, nas selvas ao longo da cordilheira, litoral entre Rio de Janeiro e a Bahia, e de preferência em certa altitude de mil a 1200 pés acima do nível do mar. Sua casca nos vem em pedaços grandes, grossos e enrolados, tem considerável específico e se distingue das epécies peruanas de quina, exteriormente pela grossura, pela superfície desigual e fendida, provida de epiderme acinzentada ou branca amarelada, e ainda interiormente pela coloração castanha mais escura.

Bibliografia: MARTIUS, Von – Sobre Algumas Drogas Brasileiras – Revista da Flora Medicinal – 1936 – Tradução do farmacêutico Oswaldo Riedel

sábado, 2 de março de 2013

Casca Preciosa uma árvore do Rio Negro

Canela da Índia

É uma árvore muito alta, que não é rara nas selvas do Rio Negro. Cryotocarpa pretiosa , M, A casca desta árvore é tirada em fragmentos grandes, às vezes de alguns pés. Têm a grossura de algumas linhas, são de textura fortemente fibrosa e bastante frágeis, de cor parda de canela. A epiderme é castanho amarelada, mais ou menos lisa, provida aqui e acolá de verrucosidade pequenas, circulares e pouco saliente, ou dotada de princípios de vegetações de liquens. Seu sabor é singularmente aromático e picante, e parece provir de um óleo essencial, que nela existe em grande quantidade. O efeito medicinal da casca preciosa é comparável principalmente ao do sassafraz; porém é mais irritante re mais ativo. As doçuras, em que é utilizada pelos índios do Amazonas sção: debilidade nervosa oriunda de extravagâncias; edema dos pés em virtude de resfriados; catarros crônicos; hidropisia, gota, sífilis. Para esta última doença costuma corrigir o infuso da salsaparrilha genuína que ai cresce espontaneamente pela adição deste estimulante. Deve ser no principio cauteloso com as doses, pois que uma demasiadamente forte produz cefaleia interessante. Mais pronunciado na parte mediana do craneo, e eleva sobremodo a temperatura. Para doses pequenas tomadas repetidamente, a reação do corpo que se traduz por fraca transpiração e excreção aumentada de urina.
A canela, cultivada aqui e acolá na Bahia, principalmente no distrito de Camamú há cerca de 50 anos, mais por mera curiosidade do que com finalidade comercial, é da qual também aqui apresento uma amostra, coincide em sua textura e sabor muito mais com a Cassia lígnea, do que com a legitima e fina canela do Ceilão. Isso talvez se explique, por ser descascadas de arvores velhas e muito negligenciadas, e sem o cuidado empregado na í ndia Oriental.
Aquelas regiões da Bahia e os arredores do Rio de Janeiro são muito propícias ao crescimento da canela, e se as intenções paternais do governo português, que já nos últimos decênios do século passado aconselhara o plantio da canela, fosse mais bem correspondida, o Brasil futuramente poderia ter importante exportação da mesma. Também no Rio de Janeiro foi a atenção de alguns patriotas voltada para esta importante árvore.
Induziram o Dr. Bernardino Antônio Gomes para a publicação de um trabalho. “Memória sobre a canela no Rio de Janeiro, que foi , em nome do prefeito e no ano de 1798, apresentada ao então príncipe regente, e que contem indicações oportunas sobre o cultivo da canela. No ano de 1809 foram transplantada da Caiena, que os portugueses ocupavam naquele tempo, para o Pará uma quantidade de novos pés de canela, e ainda lá existe pequenas plantações, onde se seguem as regras dos holandeses.

Bibliografia: MARTIUS, Von – Sobre Algumas Drogas Brasileiras – Revista da Flora Medicinal – 1936 – Tradução do farmacêutico Oswaldo Riedel