quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Ehrlich seus corantes e a identificação dos micróbios

hrlich era mau experimentador, descuidado e trapalhão;   espirrava as tintas e as bactérias por tudo em sua mesa, pelo quarto e pela roupa. Espirrava tudo, sangue dum homem que acabara de morrer de tifo, partículas de tecido dum cancro, escarro duma mulher a morrer de tuberculose tudo com que trabalhava.
Talvez fosse um desses acidentes que o contaminou de tuberculose e o forçou a procurar o clima do Egito. Ehrlich ignorava o seu estado, mas muitos colegas nunca esperaram pelo seu regresso da África.
Instituto Robert Koch - Berlim - Alemanha
Se Ehrich morresse no Egito, na idade de 33 anos, a ciência teria perdido um homem já famoso pela técnica da inspeção da célula, pela descoberta de novos colorantes anatômicos e de novos modos de emprega-los; um homem que chegara até a encontrar o colorante para o terrível bacilo de Koch, isolado cinco anos antes – e que agora estava “colonizando” os seus pulmões.
Mas Ehrlich não morreu de tuberculose na África. Voltou para a Alemanha sem incomodar-se muito consigo, embora prometesse á esposa mais cuidado para o futuro – promessa jamais cumprida. Estava já com 35 anos e tinha tanto trabalho pela frente! Voltou para Berlim, onde sua mulher – que graças aos deuses da ciência possuía algum dinheiro – comprou-lhe um pequeno laboratório cheio de ricas anilinas.
E então Robert Koch apareceu, coberto com os laureis da descoberta do bacilo-vírgula, produtor do cólera, do micróbio em forma de bastonete que infecionava os olhos das crianças egípcias e da ameba que provoca a disenteria. Tornara-se um dos grandes caçadores de micróbios do mundo, e especialmente para ele a Alemanha criara o Instituto das Doenças Infecciosas de Berlim.
- Venha comigo, foi o apelo de Koch a Ehrlich. Vai gostar dos nossos homens – Gaffky, Loeffler, Pfeiffer, Welch  da America, Kitasato de Tóquio – mas não terá de trabalhar com eles. Disporá dum laboratório próprio e de tudo próprio. E trabalhará no que quiser...
E desse modo lá se foi Erhlich co os seus amados frascos para o Instituto de Koch, começando logo a trabalhar nas mais estonteantes combinações de cores. Em sua cabeça incubava-se algumas ideias novas, advindas quando tossia sangue lá no Egito. Os caçadores de micróbios andavam a pensar na imunidade, e Carl Weigert dera a Ehrlich uma admirável concepção a respeito. Assim, enquanto Koch se punha a caça de novos micróbios e lutava contra o cólera em Hamburgo, o pequeno Ehrlich quedava-se em seu cubículo procurando descobrir por que os animais se tornavam imunes não só ao bacilo da difteria e do antraz como também a certos venenos terríveis. E Ehrlich experimentou uma novidade de sensação – a coloração dos tecidos dos animais vivos.
- Herr Gott!!! Teria Ehrlich exclamado. Olhem-me para isto. Eu injeto azul de metilene neste ratinho e todos os terminais nervosos ficam azuis. Por que motivo o azul só colore as extremidades dos nervos?
Por causa da afinidade, evidentemente – por causa da afinidade que existe entre esse colorante e as células nervosas. E Ehrlich raciocinou que deveria haver uma afinidade entre outras células e outras drogas, entre as células do corpo e as drogas, entre as células dos micróbios e as drogas. Se fosse possível encontrar uma afinidade – ou um caso de amor químico – entre algum micróbio e alguma droga matadora de micróbio...

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O pintor de micróbios caça doenças

Paul Ehrlich, o influenciador da vida de milhões de criaturas as quais salvou de triste morte, foi por sua vez muito influenciado por dois homens. Um, seu primo Carl Weigert, o solitário, patologista que gastou vinte anos a colorir as fibras nervosas de modo que pudessem ser observadas ao microscópio. Outro, Robert Koch, o medico rural que revolucionou a caça ao micróbio com a descoberta do bacilo da tuberculose e de mais outros facinorosos serezinhos e afinal encerrou a sua espetacular carreira com uma ainda mais espetacular aventura de amor: fugiu com uma corista.
Paul Ehrlich - Prêmio Nobel de Biologia
Em 1876 Koch de seu pequeno laboratório rural para o posto de médico municipal da cidade de Breslau. No primeiro dia em que saiu a visitar a escola medica os emperrados e nada cordiais professores acompanharam-no gravemente. No departamento de patologia indicaram-lhe um jovem estudante numa mesinha cheia de colorantes.
- É o nosso pequeno Ehrlich, um excelente coloridor de tecidos mas que nunca passará nos exames.
O pequeno Ehrlich de fato nunca passou nos exames, porque nunca se interessou por eles. Andou de escola em escola, de Breslau a Strasburgo, de Strasburgo a Leipzig, deixando atrás de si todas as mesas sarapintadas, e os professores a sacudirem a cabeça.
- Ehrlich? Ah, um abominável estudante. Não aprende coisa alguma. Não decora nada. – mas é mestre em tintas. Devia ter-se dedicado á pintura.
Seus professores podiam tê-lo barrado das classes, que ele aliás pouco frequentava, porque Ehrlich não era o tipo do bom estudante de medicina – mas os professores daquele tempo não davam muita atenção a tipos de estudantes e coisas assim.
Se o professor de matéria medica acusava Ehrlich de não saber de cor as milhares de drogas existentes, outros professores intervinham: “Tenha paciência com o rapaz. Quem sabe se com aquela mania de tintas ainda não acaba fazendo uma grande descoberta? Pode encontrar algum novo meio de diagnóstico ou descobrir algum novo tecido ou célula”. E desse modo foi decidido que se Ehrlich desejava levar o seu curso de medicina daquele modo tão irregular, que levasse, só ele tinha a ver com isso.
Ehrlich teve de prolongar o curso por mais um ano, mas afinal diplomou-se – não que passasse nos exames, mas porque seus mestres levaram em consideração as suas experiências praticas. E por meio daquele irregularismo desvio dos sistemas de pesquisas acabou criando um novo ramo da ciência do sangue.
Por aquele tempo o jovem cientista já havia descoberto cinco novas qualidades de células sanguíneas.
Se Ehrlich começou como mau estudante, continuou como péssimo médico. Quando os colegas saiam a correr as enfermarias, ele ficava em sua mesa a colorir finíssimas fatias de fígado. E se acaso visitava um doente, deixava-lhe nas roupas do leito manchas de vermelho ou laranja. Se chamado para atender um parto, interessava-se mais em obter um bom fragmento de tecido placentário do que notar o peso, o sexo e o estado da criança.
Nada interessava Ehrlich, só colorir tecidos e pesquisar bactérias.
Bactérias! Aqueles microscópicos serezinhos precisavam de cor; eram tão insignificantes que o médico tinha dores de cabeça do esforço de vê-los no microscópio. E de que outra maneira poderia saber se um tecido estava infeccionado, se não podia distinguir as bactérias? Mas e pudesse dar cor ás bactérias, seria fácil diagnosticar a infecção causadora duma morte!

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Os micróbios e a redescoberta do fenol

Lister repetiu quixotescamente as experiências de Pasteur, verificando pessoalmente que onde não havia bactéria não havia putrefação.
E Lister tornou-se então um matador de micróbios. Convenceu-se de que a podridão dos hospitais, as gangrenas horríveis e os envenenamentos do sangue eram causados por micróbios – micróbios que entram no corpo quando a pele é cortada.
Devia haver um meio de manter à distância estes micróbios ou mesmo mata-los. Lister aos artigos de Pasteur, mas o sábio francês estava apenas interessado na fermentação dos vinhos e outros. Pasteur matava os micróbios por meio da fervura – mas como ferver um paciente?
Analisando o esgoto de uma estação de tratamento de esgoto.
Lister consultou de novo o mestre da química.
- Meu caro Anderson, estou em procura de qualquer coisa que mate micróbios – algo que não seja fogo. Preciso dum agente químico, uma substancia benigna para o nosso corpo, mas letal para os micróbios. Que é que sugere?
- Há, respondeu Anderson, um certo numero de velhas drogas desse tipo, antissépticos que suspendem a putrefação.
Há o álcool e a glicerina; há o benjoim e alguns óleos vegetais.
São historicamente antigos, mas pouco efetivos. Realmente eu não posso...Espere! E o fenol?
Lister fez cara de ignorância.
- Que é fenol
- Oh, o mesmo que acido carbólico – produto extraído de alcatrão e você conhece os efeitos do alcatrão.
- Engana-se. Não conheço.
- Sim, não é químico... Pois o alcatrão ou pixé tem usado a séculos. Os egípcios muito provavelmente o usavam na preservação de múmias. Nós o usamos para preservar a madeira, e sobre tudo os dormentes. O pixé interrompe o apodrecimento. É provável que também mate os seus micróbios.
- Talvez, murmurou Lister. Talvez...Obrigado, Anderson. Hei de pensar nisso. E se eu precisar desse fenol ou acido carbólico?
- Há um tal Freddy Calvert, em Manchester, que eu conheço. Anda a extrair fenol em pequena escala.
Lister parafuso naquilo. A calamidade dos hospitais não lhe saia da cabeça. Era um homem bem dotado de sentimentos, mas prudente e que a nada se arriscaria sem ter adquirido certeza. Além do mais, ninguém ainda havia demonstrado que os micróbios realmente fossem causadores de doenças.
Semanas mais tarde sua esposa lhe chamou a atenção para um pequeno artigo de jornal.
- Joseph, disse ela, eis aqui qualquer coisa sobre o acido carbólico de que você falou. O Dr. Crookes usa-o nos esgotos de Carlisle.
- Sim? E que mais diz?
- Diz também que o acido carbólico acaba com o mau cheiro da putrefação nos esgotos. Como pode ser assim, Joseph?...
- Indubitavelmente mata os micróbios responsáveis pela putrefação.
- Matar os micróbios, Joseph? Serão os micróbios uma coisa tão má que até produzem mau cheiro?
- Minha cara, respondeu Lister, eles talvez ainda sejam piores. Suspeito que são causadores das doenças humanas. Eles...Mas qual é o nome do homem que Anderson referiu? Calvet,  perece. Vou escrever-lhe uma carta logo de manhã. Hum... Com que então o acido carbólico acaba coma putrefação nos esgotos...
Quando uma certa quantidade de acido carbólico chegou de Manchester, o cirurgião de Glasgow impressionou-se mal. Era um líquido escuro, de cheiro desagradável, muito longe de inspirar confiança na sua ação germicida. Lister ainda ignorava que os jornais científicos, por ele lidos por falta de tempo, davam o acido carbólico como um dos mais poderosos matadores de germes. Ignorava que os químicos alemães haviam provado que o fenol interrompia a putrefação em poucos segundos. Ignorava que os farmacêuticos franceses e uns tantos médicos estavam procurando curar feridas com pós ou líquidos com base de fenol. E também não sabia que mesmo na Inglaterra aquele produto já fora usado como antisséptico durante a peste bovina.
Lister não sabia nada disso, apesar de serem coisas de grande significação. A medicina precisava que alguém redescobrisse o fenol e fizesse alguma coisa dele.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A ação dos micróbios no mundo das cirurgias

Uns tantos médico no mundo do sculo XIX tentavam de todas as maneiras acabar com o matadouro que os hospitais eram. Cegamente por intuição, recomendavam mais ar nas enfermarias, lavagem das paredes com lixivia e muitas vezes completo abandono de certos prédios, irredutivelmente maus.
Num deles, o chefe da clinica costumava afixar anualmente um aviso: “vai entrar a estação da erisipela nas enfermarias; ficam suspensas as operações até março.”
No Hospital de S. Thomas, em Londres, havia uma desbotada advertência na parece da sala onde os estudantes dissecavam cadáveres putrefatos. “Os que estiverem dissecando ou fazendo qualquer trabalho post-mortem, devem lavar as mãos com solução de soda cloratada antes de irem ver os pacientes.” Mas ninguém se incomodava com isso; e quem acaso tomasse o aviso ao pé da letra, não encontraria a “solução de soda cloratada”.
Em Budapeste o aloucado Ignaz Semmelweis procurava em vão convencer o mundo
médico de que a culpa das tais “doenças dos hospitais” cabia aos próprios médicos, que de passagem de uma enfermaria a outra iam levando consigo o contagio. Mas a maioria dos cirurgiões curvava-se diante do “fardo da profissão” e reclamavam dos horrores subsequentes ás operações eram inevitáveis. “Suprimir o pus! Oh, mas isso não é desejável! Afinal de contas o pus é necessário para que a ferida se feche”. E quanto à sugestão de que os doutores eram os responsáveis por tantas mortes, a resposta era: “Senhor, nós não apreciamos os vossos insultos!”
E assim até que em 1860 o Dr. Joseph foi para Glasgow como professor de cirurgia da universidade. Durante quatro anos esse homem combateu a podridão dos hospitais, avassaladora em todas as enfermarias. Por quatro anos fez as enfermaria e os cirurgiões da casa lavarem as mãos frequentemente (“O bobo! Não vamos sujá-las de sangue novamente?”). Por quatro anos lutou com a diretoria do hospital por motivo de mais toalhas limpas, pensos bem lavados para o tratamento das feridas, e mais e mais desodorantes.
Certo dia, no outono de 1864, Lister saiu do hospital acompanhado de seu companheiro de professorado, o químico Thomas Anderson.
- Escute, Lister, perguntou Anderson. Qual é a sua opinião sobre esse camarada Louis Pasteur?
- Pasteur? Louis Pasteur ? repetiu Lister franzindo os sobrolhos. Não me recordo de tal nome. Francês?
- Sim, e notável. Não o conheço pessoalmente, mas estive lendo seus artigos no Comptes Rendus. Anda a fazer novidades com as bactérias. Diz que elas são as responsáveis pela putrefação e a fermentação.
- Ideia interessante, não há dúvida. Bacterias, sim ...
- Bacterias e outros micróbios. Podem ser os causadores da putrefação das feridas e da formação do pus que tanto atrapalha você operadores.
Lister tomou o caminho de sua casa e refletiu naquilo. E como fosse um constante investidor, dirigiu-se logo a biblioteca e leu os artigos de Pasteur nos jornais médicos da França. “É extraordinário!” pensou. “Com o que já descobriu em suas experiências, creio que... Mas serão os micróbios os causadores das doenças? Inacreditável e no entanto...” E Lister virou o caçador de micróbios.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943.