sábado, 31 de dezembro de 2016

Buscando as causas do beribéri na Ilha de Java.

Os médicos militares holandeses conheciam o beribéri – e quem não conhecia? Tratava-se de doença velha conhecida da grecia e de Roma. Doença que havia paralisado e deteriorado músculos no Egito, transformado homens em esqueletos no Japão, destruído criaturas na China, produzido milhares de náufragos nas longas lutas bélicas da Europa. Matava sem respeitar classe social. Este mesmo beribéri reaparecia como flagelo dos holandeses na zona malaia.
Vulcões da Ilha de Java
Hospitais brotavam em Java, nas Celebes e outras pitorescas ilhas e em 15 dias lotavam de pacientes com beribéri. Pior que não se tratava de uma coisa epidêmica, dessas que se agrava de súbito depois se acalmam; era coisa constante, perpetua, e os nativos riam-se ao ver os holandeses tombarem por invisíveis balas.
Depois de dez anos desta hecatombe, os holandeses de Java pediram socorro aos seus compatriotas em Utrecht e Amsterdam.
-Procurei um remédio para esta doença, ou estaremos fritos.
- Doença? Murmuraram na Europa os consultados. Deve andar ai um micróbio. Mandaremos para lá os nossos melhores caçadores dos invisíveis – e pensaram em Cornelis Pekelharing, professor em Utrecht; esse homem estudava proteínas na escola veterinária oficial em Utrecht.descobrira o bichinho que em sua opinião provocava a calvice. Também escolheram o professor Winkler, autor duma tese sobre o bacilo da tuberculose ( que não conseguira encontrar) e também mestre em doenças nervosas.
E lá foram para Berlim os dois sábios a fim de aconselhar-se com Robert Koch o recente descobridor do tão procurado micróbio.
- Eu gostaria de ir com vocês, disse Koch, um velho apreciador de países distantes, mas não posso deixar Berlim. Apenas posso indicar um estudante que tenho aqui, compatriota de vocês – o Dr. Christian Eijkman.
O indicado era um moço de 28 anos e já conhecedor do beribéri, dois anos antes servira como cirurgião militar na pequena cidade javanesa de Tjilatjap, onde travara conhecimento pessoal com os estragos feitos por essa doença.
Assim, os três cientistas, mais os necessários auxiliares partiram da Holanda em outubro de 1886. Em novembro chegavam a Batavia, onde se puseram a obra num pequeno laboratório do hospital militar de Wltevredem. Três meses passaram ali; em seguida, mais três meses no campo; e mais três meses de novo no laboratório. Exatamente nove meses depois estava de volta Holanda.
Haviam descoberto o “micróbio produtor do beribéri”.
Porque era preciso que fosse um micróbio. Beribéri, doença misteriosa? Oh, a causa de todas as doenças misteriosas estava sempre num micróbio. Mas tudo quanto eles haviam encontrado não passava de um pequenino germe, presente apenas em 15 de cada 80 beribéricos, o qual germe, injetado num cachorro, adoecia o animal e às vezes escangalhava os nervos.
E como haviam concluído que aquele bichinho “era talvez a causa do beribéri”, antes de regresso a Holanda aconselharam aos médicos javaneses o uso abundante do sublimado corrosivo e outros poderosos germicidas na desinfecção das roupas, assoalhos, mobília, teto e mais superfícies expostas ao ar. Mas aqueles sábios haviam tido uma brilhante inspiração: sentindo que o assunto não estava plenamente decidido, induziram as autoridades a manter em Java um serviço permanente de estudos a cargo de Eijkman. Até aquele momento o cientista olhava para a doença como algo tedioso. Enquanto chefes dramaticamente perseguiam os micróbios, ele se deixava ficar no laboratório quente como uma estufa. Enquanto os outros romanticamente lutavam contra a morte nos hospitais, ficava Eijkman ali a contar glóbulos vermelhos do sangue. Enquanto davam combate a uma praga, ele media a hemoglobina.
Mas agora tudo mudara. Sozinho e dono de si mesmo, ele pretendia descobrir o micróbio verdadeiro – porque estava certo de que era um micróbio, e isso o levaria a gloria.
Aos trinta anos tornou-se o chefe, o diretor supremo e praticamente o único cérebro do suarento Laboratório Bacteriológico, Patológico e Anatômico das Índias Holandesas, onde durante dois anos se esforçou por arrancar alguma coisa da muda massa de dados coletados.
- Deve haver um micróbio – mas onde está?
Os exames microscópicos se sucediam, mas nada de micróbios, nada de bactérias – nem mesmo um simples cocus. Eijkman injetava em animais escarro e sangue e até fragmentos de tecidos mortos, mas os pobres ratos morriam sem revelar nenhum sintoma de beribéri.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Oscar Liebreich o divulgador da porção do sono

Em 1868, Oscar Liebreich, estava a quatro anos depois de doutorar-se m medicina. Trabalhava em Berlim e procurando aplicar produto químico na cura de doenças. Seu interesse maior estava no tratamento da insônia.
Naquele tempo havia meia dúzia de porções dormitivas de efeito real, das quais três sem perigo; mas não havia nenhuma que fosse ao mesmo tempo efetiva e sem perigo. Os brometos eram muito fracos, e a morfina, o éter, o clorofórmio, a marihuana, o hashish e os outros eram muito perigosos para o uso seguido, sem a constante vigilância do medico.
- O melhor, admitia Liebreich para si mesmo, ainda é malhar na cabeça com u martelo.
Mas devia haver algo melhor que o martelo. Devia haveralguma droga fácil de tomar, algo que cantasse á vitima da insônia uma cantiga de adormecer criança e fosse fácil de tomar e sem perigo. Devia haver, porque não há o que não haja – e, afim de por-se na pisada do calmante, o medico Liebreich voltou a ser o químico Liebreich.
Existia possibilidade numa indicação de Justus von Liebig; misturar álcool e cloro para fazer cloral; tratar o cloral com álcali para fazer clorofórmio. “Espere”, pensou Liebreich. “Cloral mais álcali dá clorofórmio e o clorofórmio faz dormir. E que acontecerá se pusermos algum cloral na corante do sangue para que o álcali do sangue se arrume com ele? Está aqui uma ideia”.
Oscar Liebreich resolveu transformar os vasos sanguíneos em tubos de laboratório. Havia álcali no sangue, sim, mas muito pouco; mesmo assim devia produzir misturado com o cloral, o clorofórmio necessário para adormecer o paciente. A coisa devia dar-se exatamente como no laboratório, apenas com maior morosidade. A formação do clorofórmio sendo assim lenta, de horas, dela viria horas de sono para o insone!
Se Liebreich tivesse no laboratório misturado um pouco de cloral com sangue para ver se dava clorofórmio, teria logo abandonado a ideia como inviável. Essa reação não existe – mas o nosso homem ignorava-o
Em vez de fazer o que era logico e sensato em vez dum teste no laboratório começou logo pelo fim – a experimentar em rãs. Injetava-as com cloral e elas imediatamente adormeciam.
- Admirável! Exatamente como pensei. O cloral vira em clorofórmio lá dentro e as adormece.
Depois que as râs acordaram e se puseram ade novo a saltar, perfeitamente normais. Liebreich abandonou-as e passou aos coelhos. Os resultados foram os mesmos!
Liebreich rodou para as enfermarias dos Hospitais de caridade, depois de obter licença para experimentar lá a sua poção. Primeiro em dementes, sem dúvida, porque se morressem não seria grave a perda.
Numa das camas jazia Herr Stoekel, vitima de epilepsia e melancolia ansiosa. Com medo de que sua cama pegasse fogo, passava acordado dia e noite. Liebreich injetou-lhe no braço vinte gotas de cloral diluídas em água. Três minutos depois o doente começou a bocejar e piscar de sono. “Eu não quero dormir”, dizia ele em sua loucura. “Saiam daqui, por favor, eu não quero dormir...”
Ao cabo de dez minutos seus olhos se fecharam. Ele ainda tentou abri-los. Não pode mais. Caíra em sono tão profundo que nem picadas de alfinetes o acordaram. Dormiu três horas, fez o lanche e caiu de novo no sono.
Três vezes o pobre epilético foi injetado de cloral e nas três vezes afundou no sono que tanto temia e que tanto precisava. Em seguida Liebreich deu uma injeção de cloral numa mulher de meia idade cujo cérebro estava sendo atacado de paralisia, e outra numa linda moça perseguida de horrendas visões.
Ambas dormiram e despertaram aliviadas. Os médicos, então, com o maior entusiasmo, fizeram a experiência do clorofórmio em outros enfermos que igualmente não podiam dormir, ou por causa de uma dor, ou por caua de preocupações – e todos dormiram noites e noites seguidas e assim puderam restabelecer-se.
Mesmo quando outros médicos alemães provaram que já de oito anos vinham usando aquela droga, ele não se incomodou. Fosse como fosse, a Oscar Liebreich devia o mundo a maravilhosa poção que faz dormir.
Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943



domingo, 18 de dezembro de 2016

Explodindo laboratórios Liebig descobriu o clorofórmio

A primeira explosão provocada por Justus von Liebig foi relativamente insignificante. Nem chegou a ser propriamente uma explosão, sim um leve acidente que derramou uma vasilha de tinta no atelier de seu pai, em Darmstad, na Alemanha.
- Justus, repreendeu o velho von Liebig, já disse que não mexesse nas tintas. Por que não fica lá em casa, a estudar nos livros ou a fazer qualquer coisa?
- Papai, respondeu o menino tirando uma pasta de tinta que lhe espirrara nos cabelos, eu não gosto de estudar nos livros , meu prazer é trabalhar aqui. Quero misturar tintas e ajuda-lo.
Justus Von Liebig
Mas o velho pareceu que aquele seu negocio caminharia muito melhor sem a ajuda do filho, de modo que o forçou a cursar o ginásio; queria que ele aprendesse matemática e se tornasse um verdadeiro homem de negócios.
A segunda explosão foi coisa mais forte. Ocorreu por uma tarde do ano 1819 e deu com Julius fora da escola.
- Não sei o que fazer com você, declarou o reitor. Veja o que me fez com essas porcarias de drogas! A paredeestá toda borrada e as janelas sem vidros. Há meses que você vem sendo a peste da escola. Que desgosto não deve dar aos seus pais um menino assim! Que vai ficar quando vier o bigode? Que pretende ser?
- Quimico. Vou ser químico, respondeu Justus.
E o menino foi devolvido a casa paterna. Onde aliás não demorou ,muito tempo; seu pai tinha outras ideias.
- Quimico? Absurdo, rapaz! Vai ser mas é farmacêutico. Vou manda-lo para Heppenheim, como aprendiz.
A terceira explosão veio dez meses depois – e dessa vez foi coisa séria. Arrebentou o teto do sótão da botica, espatifou as vidraças, arrancou dos batentes as portas e jogou com o aprendiz no olho da rua. Novamente pai e filho se defrontaram.
- Justus, disse o velho, que hei de fazer de você Por que não se comporta e não dá um bom aprendiz?
- Mas, papai, eu não quero ser boticário. Quero ser químico.
E foi assim, graças a sua teimosia, que em 1820 Justus Liebig entrou  para a Universidade de Bonn afim de estudar ciências – e as explosões cessaram. A estadia em Bonn mostrou-lhe a impossibilidade de aprender química na Alemanha. “Em 1820”, escrever mais tarde, “o melhor laboratório da Alemanha não valia uma simples cozinha” – e isso o fez tomar o caminho de Paris, atraído por Gay-Lussac, o grande mestre francês.
E foi lá em Paris que certa vez um homem verdadeiramente gigantesco se aproximou dele e começou a fazer perguntas?
- Em que está trabalhando?
- No fulminato de prata.
- E que já descobriu?
Justus contou o que havia feito, polidamente, mas com entusiasmo. O enorme estrangeiro impressionou-se.
- Interessante, sim. Ai há coisa. Não quer jantar comigo domingo? Poderemos conversar mais.
O domingo chegou. Justus vestiu sua melhor roupa, mas no meio da excitação da novidade foi colhido por uma ideia terrível. Que homem era aquele? Qual o seu nome? Onde morava Justus esquecera-se de perguntar-lhe tudo isso...
No dia seguinte, segunda-feira, logo que entrou no laboratório, um dos estudantes aproximou-se.
- Von Liebig, onde se meteu ontem? Por que não foi ao jantar? Todos o esperamos por muito tempo.
- Sabe o que aconteceu? Esqueci perguntar o nome e o endereço do homem.
- esqueceu? Esqueceu?... Não percebeu logo de cara que estava sendo convidado pelo Barão de Humboldt, o maior sábio do mundo?
Liebig tirou o avental rapidamente e voou para a casa do maior sábio do mundo, ao qual deu atrapalhadamente as desculpas que pode. O grande hoeme riu-se a valer, recostado na poltrona. Depois, enxugando as lagrimas do rosto enrugado, perdoou ao jovem químico e fez-lhe outro convite par o domingo próximo.
Quando chegou o tempo de Liebig deixar Paris, Von Humboldt deu-lhe uma preciosa carta de recomendação com que o jovem químico obteve o lugar de professor na velha universidade de Giessen.
Em 1831, uma das experiências de Liebig abriu um campo novo para a medicina; sem que a medicina o percebesse o químico misturou cloro e álcool e obteve uma coisa nova – O cloral. Depois tratando o cloral com um álcali forte, obteve outro líquido a que deu o nome de clorofórmio

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Ácido Acetil-salicílico o ácido aprovado pelos peixinhos

Em 1899 os químicos alemães não deram um só pensamento ao ácido acetilsalicílico descoberto em 1853. Ficou sendo mais um na lista de produtos químicos inúteis; não era nem sequer composto misterioso. Todos os químicos ignoraram-no, exceto um hábil químico da Bayer, Feliz Hoffmann, o qual para isso teve duas razões. Primeiro, a ordem recebida dos diretores da Bayer, de encontrar para o acido salicílico um substituto melhor que todos os existentes no mercado.
Segundo seu próprio pai:

- Felix, dizia o velho Hoffmann cada noite, meu reumatismo continua me incomodando.
- Já tomou as suas pílulas, papai?
-Pílulas!  Não me fale em pílulas. Fazem-me ainda mais doente, como se tivesse um formigueiro no estomago. Minha garganta queima. Essas pílulas me fazem vomitar. Não as quero mais. Entre elas e o reumatismo, prefiro o reumatismo.
- Deve toma-la esta noite, papai. Fazem bem, sim. São de acido salicílico.
-Ach! Lá vem com o tal salicílico! Felix, eu mandei você estudar para que ficasse sábio. Por que não me ajuda agora? Naquele laboratório que tem tanta coisa, por que não descobre algo que seja bom para mim?
- Sim, papai, tornou Felix pensativamente, acho que o senhor precisa...
Cada noite repetia-se com variantes aquele mesmo dialogo, e cada dia, lá no “laboratório que tinha tanta coisa”, Felix trabalhava pacientemente em busca dum novo febrífugo.
E isso até que a tenacidade germânica de Felix Hoffmann desse com o acido acetilsalicílico.
Certo dia Felix levou ao laboratório farmacológico do Dr. Heinrich Dreser, chefe do departamento de pesquisa de drogas da Bayer e o introdutor da heroína no mundo, um pacote de cristais brancos e amargos.
- Dr Dreser, disse Hoffmann, tenho aqui um pouco de acido acetilsalicílico puro. Nada mais posso fazer com ele em meu departamento. É preciso agora experimentar em animais.
- Acido acetilsalicílico? Repetiu Dreser, apalpando o pó. Acha que pode substituir o ácido salicílico?
- É o que os senhores médicos tem de decidir. A parte do químico está terminada.
- Obrigado. Em duas ou três semanas tirarei tudo a limpo.
O trabalho de Dreser tomou mais tempo do que o previsto, mas ao terminar estava substancioso.
-Você criou de fato um surpreendente produto, Hoffmann. Fizemos muitas provas e...
=E?...
- Achamo-lo ótimo. Pode orgulhar-se do trabalho feito.
Hoffmann curvou-se polidamente.
- Obrigado, doutor, mas há um ponto sobre que desejo esclarecimento. Será produto muito irritante? O senhor compreende o meu interesse pessoal nisso.
- Sei. O caso de seu pai. Venha comigo ver uma coisa.
Hoffmann acompanhou-o a um pequeno aquário próximo e lá, depois de uns tantos palavrões e espirros pegou dois peixinhos, aos quais embrulhou em pano húmido, em seguida colocou-lhes na boca um tubo de borracha para permitir respiração artificial, e nas guelras um sifão.
- Que tal acha este arranjo/ perguntou com vaidade.
Olhe. Atente sobre tudo nas caudinhas. Veja como são claras e transparentes as membranas. Agora, mergulhemos a cauda dum dos peixinhos. Num vaso com solução de acido salicílico. E a cauda do peixinho B vai para outro vaso com solução de acetilsalicílico.
Admirado daquela bizarra experiência, Hoffmann prendia a respiração.
Dreser sorri.
-Não compreende? Olhe – veja este peixinho, o do acido salicílico. Veja que sua cauda está se tornando branca e opaca. Isto é sinal de irritação, e mostra o que o acido salicílico faz para os gotosos. Agora olhe este segundo peixinho. Continua com a cauda branca e transparente. O acido acetilsalicílico não muda em nada.
A luz iluminou o cérebro de Hoffmann.
- Fez então essa experiência para mostrar que o meu acido é inofensivo
- Exatamente.
-Viva gritou o químico. Isso é prodigioso. Mas não vai experimentá-lo em gente?
Dresser fez que sim.
- temos que experimentar Já mandei amostrar a Withauer do hospital de Halle e a Wohlgemuth em Berlim, e ambos informaram-me que as provas foram muito boas.
Só mais tarde, depois que milhões de pacientes usaram o novo remédio, é que os cientistas iriam notar-lhe os defeitos: dores de cabeça, náusea e vomito, surdez temporária, zoada nos ouvidos, aperto da garganta, inchações e outras. Ms no começo os dois homens consideraram-se plenamente vitoriosos.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943




sábado, 3 de dezembro de 2016

O lixo virou medicamento

Apenas seis meses depois do anuncio da antifebrina, outro febrífugo apareceu, dessa vez não por acaso, mas economicamente planejado.
A coisa começou certa manhã em que Carl Duisberg pôs- se a trabalhar num desagradável problema de acumulo de lixo. Num dos pátios de usina de Freiedrich Bayer, onde Duisberg era diretor de pesquisa, formara-se uma montanha de pó amarelo, ai dumas cinquenta toneladas.

- temos que fazer qualquer coisa disto, falou Duisberg ao seu assistente. Está nos tomando muito espaço aqui.
- Que é?
- Para-amimo-fenol cru – um desses subprodutos inúteis que viram problemas em todas as fábricas. Qual a sua ideia
O assistente fez um gesto de cabeça revelador de esperança.
- Lá na minha mesa tenho a formula deste subproduto- vamos vê-la. E lá: Aqui está ela. E aqui está a formula da antifebrina, daquele gajo de Strasburgo. Vê como são semelhantes.
 -Muito bem. Minha ideia é que se acetilarmos esta amina aqui e depois bloquearmos este fenol com um metílico ou algo do grupo etílico, podemos chegar a alguma coisa pratica.
Como mágicos a planejarem um novo meio de extrair uma lebre do fundo dum chapéu, os dois químicos calmamente traçaram no papel a transformação dum subproduto residual em uma poderosa droga antifebril.
Trabalho extremamente simples. As sugestões de Duisberg foram executadas em pequena escala e deram um produto que a primeira vista recebeu a classificação de etoxil-acetanilioda, nome que mostrava suas relações com a antifebrina de Cahn e Hepp – e aquilo foi mandado ao hospital de Freiburg para prova nos doentes.
Feitas as provas, aquele montão de resíduos se reduziu todo a fenacetina – um excelente e baratissimo febrífugo.
Quando chamaram a Carl Duisberg e o elogiaram pela ideia, aquele quimicozinho retaco e de reduzida estatura refugou os aplausos. “Não, disse ele, “o Caso foi muito simples. Não podíamos continuar com tamanha montanha no pátio e o remédio era removê-la ou transforma-la em algo que pudéssemos vender”...
Essa expressão “transforma-la em algo que pudéssemos vender” tornou-se a ideia mestra da filosofia industrial alemã.
A Alemanha havia dado ao mundo quatro grandes drogas antifebris: acido salicílico, antipirina, antifebrina e fernacetina. Breve daria mais duas, piramidon, ou aminopirina, que não passava a antipirina melhorada, e também o cinchofen para a gota.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943