terça-feira, 26 de abril de 2016

Descobrindo a dosagem da digitalis

Dr Withering estava completamente errado quanto a maneira de reagir da digitalis no organismo humano. A digitális poderia ser terrivelmente perigosa e mesmo letal, a dose para cada organismo era vital.
Havia no hospital muito hidrópicos que se submeteriam a qualquer tratamento - e não faltava digitális.
Anos levou Withering para perceber que o pivô da questão era o complicadíssimo problema da dosagem na medicina.

A ciência não estabelecera nenhuma dosagem-padrão para a digitális. O Dr Cawley resistira a uma dose cavalar porque tinha uma resistência orgânica de exceção, mas outros organismos só toleravam doses mínimas. E Withering pacientemente foi aprendendo que cada caso é um caso especial – que cada doente tem um limite pessoal de aceitação da digitális.
Mas como acertar com esse limite? Withering muito ponderou naquilo, e muito debateu o ponto com seus amigos da Lunar Society.
- Meu sistema está sendo este, dizia ele. Começo em cada caso com uma dose muito pequena e vou aumentando até obter vômitos e desarranjo – e assim descubro o limite de cada doente. E daí por diante o que tenho a fazer é ficar em doses levemente abaixo desse limite. E a hidropisia vai embora.
Os lunaristas impressionavam-se.
- Por Deus! Exclamou Jamie Watt. Acho grosseiro esse modo de aproximação que vocês médicos usam.
Mas os médicos de Birmingham mostraram-se um pouco menos exigentes. Estavam inclinados a crer em Withering, mas onde as provas? Withering as tinha, e abundantes. Verificara enfim a causa dos seus insucessos em Stafford. Dera muita digitális aos doentes de lá ou muito pouca – e também dera por muito tempo. Mostrava-se agora mais cauteloso, e de fato curava os doentes. E tudo ia anotado.
Erasmus Darwin, um dos seus mais obstinados oponentes, conservou-se de pé atrás até o dia em que Withering salvou um doente que ele havia desenganado.
Em 1775, o seu primeiro ano de Birmingham, Wthering lançou no livro de notas: 1 caso tratado, 1 caso curado. No seguinte escreveu: 4 casos tratados e todos curados. (E nesse ano também notou, como coisa peculiar, que andava com tosse e se sentia cansado no fim do dia).
Em 1777: 8 casos tratados, 2 curados, 2 aliviados – 4 falhas. (Concientemente ele experimentara a digitális tanto na tuberculose como na hidropsia e com escrúpulo anotava os insucessos).
Em 1778 escreveu; 5 casos tratados, 1 curado, 1 aliviado – 3 falhas. (Teimosamente ele continuava a misturar tuberculose com hidropisia).
Em 1779: escolheu melhor os pacientes e em 6 casos tratados obteve 5 curas e 1 alivio.
Withering ainda não estava suficientemente seguro para apresentar uma comunicação científica, mas deixou que um amigo levasse o caso á imponente Sociedade de Medicina de Edimburgo. Os médicos escoceses admiraram-se dos novos milagres da planta, aplaudiram o colega de Birmingham e planejaram restaurar a digitális na farmacopeia de Edimburgo.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

terça-feira, 19 de abril de 2016

De volta a Digitalis

Em 1775 Birmingham já estava a caminho de tornar-se a maior cidade inglesa depois de Londres. Fabricas trabalhavam dia e noite, o comercio prosperava, o mundo inteiro queria fivelas, os botões, os brinquedos, as armas de Birmingham. A Europa estava em paz e a vida era excelente. Só umas leves perturbações lá pelas colônias inglesas da América.
Tudo correu bem para Withering na sua mudança com mulher e filha pra cidade atrás das cinco mil libras que ganhava o médico que deveria substituir.
Na sua chegada já foi nomeado médico do general Hospital e fez amigos de valor no mundo da ciência. Seu predecessor, o saudoso Dr. Small, era médico de grande popularidade e Withering herdou a sua grande clientela.

Os clientes se sucediam em seu consultório, e clientes pagantes. O dinheiro começou a encher-lhe a gaveta. Folgas para o cultivo das velhas manias escasseavam, mas ele soube torna-las mais produtivas. Seu interesse de amador de historia natural encaminhou-se para a mineralogia, e a antiga aversão a botânica já era coisa do passado. Por fim deu ele a público uma monumental obra – A Botanical Arrangement of all the Vegetables Growing in Great Britain.
A primeira obra completa sobre plantas da Gra Bretanha iria ser por meio século o melhor livro de botânica existente. Serviu para criar uma verdadeira mania por flores, como hoje há a mania filatélica, fotográfica ou aeronáutica.
O popular Dr Withering foi logo aceito como membro da Lunar Society, a qual possuía um magnífico elenco de sócios como Jamie Watt, o idealizador da infernal maquina a vapor, William Murdoch, que queria iluminar as cidades, a gás; Watt;o cerâmico entre outros. Da Luna Society também fazia parte do Dr Erasmus Darwing, avô de Clarles Darwing, que muito ajudou Withering.
No Hospital local Withering fez amizade com o diretor, o Dr Jonh Ash, o qual certo dia lhe perguntou se fizera estudos com a digitalis.
- Sim fiz algumas experiências anos atrás, respondeu Withering. Pareceu-me planta perigosa, das que metem medo aos clientes. Por que pergunta?
-Mera curiosidade. Não guardou notas das suas observações?
-Hum...Não tenho o habito de notas. Usei a digitalis nos meus doentes pobres – e eram tantos que não me sobrava tempo para notas.
- Foi pena, suspirou Ash, Eu gostaria de coteja-las com isto- e passou a Withering uma carta que este leu rapidamente. Por Deus! Que atrevidos são estes charlatães! Imagine – a curarem hidropisia com digitalis depois que todos os medicamentos condenaram o tratamento! Espere, continuou Ash, e note quem é o doente. Trata-se do famoso Dr Cawlen, reitor de Brazen Nose College, de Oxford. Um homem destes não se deixaria levar por nenhum charlatão. Meu caro Withering, acho que deveria voltar ao estudo da digitalis.
Withering pôs-se de pé.
-Que coisa curiosa! Era exatamente o que eu andava pensando...
E voltou a digitalis. Voltou ás folhas magicas, ás náuseas e vômitos dos doentes, ao miraculoso ressecamento do organismo através dos rins, aos temores e vacilações de Stafford.
Um ponto no caso do reitor de Brazen Nose era particularmente desnorteante. Cawley havia tomado uma tremenda dose de digitalis, doze vezes maior do que o seu organismo podia suportar e em vez de morrer lá estava curado!
Aquilo parecia misterioso ou sem nenhum nexo, a não ser que... a não ser que a digitalis não fosse tão perigosa como tantos pensavam. Withering foi para o seu gabinete e chamou a esposa.
-Helena, sabe o que vou fazer? Voltar de novo zo estudo da digitalis
Helena ergueu os olhos para o forro e murmurou:
-Outra vez, Deus do ceu!...

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A teoria na prática da beladona

Qual a receita pode curar hidropisia, pensa o Dr Withering? Tenho de experimentar a digitális em meus doentes, em tempo próprio comunicarei os resultados. O médico fechou a porta do consultório sentou-se em sua mesa e se colocou a pensar: Campainha de defunto, a velha digitális! Evidentemente uma planta da família da beladona ou do tabaco. Deve exercer forte efeito no corpo. Cura Hidropisia? Será curável a hidropsia? Tenho de verificar o ponto. Vou dá-la ao velho Nichols para ver o que acontece. Ele está cheio de água perto do fim. Mas quanto devo dar – e como?...
 flores de Digitális
Poucos doentes pagantes procuravam o Dr. Withering, mas não pagantes tinha –os ele as dúzias, Aos quais tratava sem pensar na conta – e entre esses havia alguns hidrópicos. Withering resolveu experimentar a digitális.
E como a digitális agiu prontamente! Com poucas doses de folhas maceradas em água vários doentes “secaram”. Uma drenagem perfeita, do peito, dos rins, do ventre! Efeito realmente magico – mas, infortunadamente, a cura era extraordinariamente irregular.
Withering não sabia como prescrever a digitális. Dar um grão, uma onça, uma libra? Quente ou fria? Duas, três ou quantas vezes por dia? Antes ou depois das refeições? Pòr quanto tempo?
E ninguém podia responder a essas perguntas, nem a planta nasce com bula dentro das campanulas. Withering começou a experimentar e suas experiências não formavam sentido. Com muito pequena dose o velho Nichols sarou.
Já a senhora Twombley só sentiu os efeitos com doses duplas. E no caso do jovem Smith o efeito foi nulo...
E os efeitos imediatos da digitális eram aterrorizantes.
As vezes fracos mas muitas vezes violentíssimos, com vômitos, desarranjo intestinal, dor de cabeça, manchas na vista e outros sintomas de alarmar.
Os doentes queixavam-se. “ O Dr Withering quase matou meu pobre marido”, dizia uma mulher. “A droga do doutor quase me leva para o outro mundo”, dizia outra. E a terceira: “Ele que fique com o tal remédio, que eu fico com a minha barriga d’água”.
Withering sentia-se profundamente perturbado. A digitalis operava efeitos, sobre esse ponto não havia duvida. Mas com que irregularidade! Ele queria curar aqueles pobres doentes mas esbarrava em seu juramento de medico de nunca por em jogo a vida humana. A digitális que ele aplicara ainda não havia morto ninguém, mas podia matar...


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

domingo, 3 de abril de 2016

A Digitalis e a Hidropisia na Inglaterra do século XVIII

Em 1741, em plena era do confucionismo sobre o tuberculose, a hidropsia, a digitális e o peru seco, veio ao mundo William Withering, na aldeia de Wellington, no Shrodpshire,  poucas milhas de Birmingham. Era inconcebível que esta criatura não fosse médico, pois seu pai era médico, dois de seus tios eram médicos e médico também fora um seu avô- exatamente o parteiro que pôs no mundo o grande Samuel Johnson.
Na idade de 23 anos William tinha desagradável ideia sobre a botânica. Dois anos mais tarde graduou-se médico em Edimburgo e sua tese foi sobre “ulcera maligna da garganta”. Depois de formado voltou a Withering e procurou se colocar profissionalmente. Para isso escolheu a cidade de Stafford. A cidade ficava perto de Wllington de modo que o prestigio de seu pai e tios muito ajudou no estabelecimento. Logo se defrontou com o embaraço da excelente saúde da população; e – caso curioso- só adoeciam os sem dinheiro ou os que tinham mas eram clientes de outro médico local.
Afinal uma boa doente surgiu – Helena Cooke, muito mais bela do que doente e que talvez por isso fosse diariamente visitada pelo novo doutor. Durante a demorada convalescença Helena entregou-se a pintura das flores que diariamente o bom médico trazia para a paciente.
A falta de doentes dava ao médico tempo de sobra para estudar e se tornar um botânico profissional.
Depois de cinco anos de namoro, Withering e Miss Cook se casaram – e o camento fe-los compreender que a clinica ali em Stafford era por de mais escassa. Tinham de mudar-se – e Withering passou mais três anos estudando para onde se mudar .
Certa vez ao consulta uma paciente esta lhe ofereceu uma receita caseira para combate a hidropisia.
- Isto não é coisa minha, disse a cliente, mas estou ansiosa pela sua opinião a respeito, doutor.
- Ah! Exclamou o jovem Wthering sorrindo. Tenho que examinar a receita antes de responder leu o que estava escrito.
- Não tenho nenhum interesse pessoal no assunto, disse a paciente. Curiosidade apenas. Esta receita é velhíssima em Shropshire. Um remédio de família. No campo usam-na para trata da hidropisia
- Hidropsia? Repetiu Withering franzindo a testa. Minha cara amiga, não há cura para semelhante doença; informou o médico. Ah! Quanta superstição existe pelo mundo.
- Acha superstição? O doutor deve saber o caso é que estas ervas continuam a curar a hidropisia apesar de condenadas pelos médicos.
O médico releu a receita: Folhas de primavera, não valem nada. Raiz de planta aquática, idem. Tanchagem – inativo, Primola, isto é só para dar gosto. Bagas de murta...Flor de cera, bobagem. Espere...Que é isto? Campainha de defunto? Será possível? E voltando para as consulentes; Esta bem certa de que esta formula cura hidropisia? Já viu curar?
- Está claro que vi, doutor. Não há aqui em Shropshire quem não saiba disso.
-Tenho que verificar o ponto. Tenho de experimentá-la em meus doentes para saber se funciona ou não. Em tempo próprio lhe comunicarei os resultados.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943