domingo, 14 de agosto de 2016

A disputa pela descoberta do anestésico de cocaína

A 15 de setembro de 1884, poucas semanas depois das experiências de Koller, um grupo de doutores se reuniu numa sala de Heidelberg em virtude de um convite especial. Não era uma reunião da Sociedade de oftalmologia das programadas , mas algo preliminar. O anuncio da primeira sessão plena devia sair no dia seguinte, se tudo corresse bem.
A ciência estava bem representada. Compareceram o professor Arlt, de Viena; o professor Becker e outros, de Heidelberg; o Dr Noyes, de New York; e o Dr Ferrer, de S. Francisco.
Levantou-se o dr. Brettauer, “Senhores, estou incumbido de apresentar a comunicação de um amigo de Viena, o Dr Carl Koller, interno do Hospital Geral. Suas experiências são de tal valor, que achei melhor reproduzi-las primeiramente a um pequeno grupo de mestres. Mas antes vou ler as palavras de Koller”: “É um fato bem conhecido”, diz ele , “que o alcaloide cocaína ... torna insensível a mucosa da boca e da garganta... Isto levou-me a investigar a ação da cocaína sobre os olhos, e as conclusões a que cheguei são as seguintes...”
Enquanto Brettauer lia as cuidadosas notas de Koller sobre as experiências com a rã e as cobaias, os ouvintes balançavam a cabeça em acompanhamento aprovativo; mas diante da dramática descrição dos efeitos da morfina no olho humano, todos abriram a boca, no maior espanto.
Ao concluir a leitura o Dr. Bretauer guardou o manuscrito e disse: “Posso avaliar as vossas reações em fase do que ouviram porque senti a mesma coisa. O fato parece impossível, e por isso me preparei para mostrar o que a cocaína faz. Bondosamente o Dr Becker pôs a nossa disposição um dos seus pacientes. Dr Becker, faça o favor!”
O Dr Becker fez um sinal; um servente saiu da sala e voltou com um amedrontado sujeito. O Dr. Brettauer adiantou-se.
- sente-se e sossegue. Vou apenas pingar umas gotas deste liquido num dos seus olhos. Não vai sentir nada. Abra-os, vamos... Assim. Uma, duas...Basta. Pode piscar. E voltando-se para os colegas:
-Aproximem-se, senhores e vede se percebeis algum sinal de dor.
Tomando de um probe, apertou contra o olho anestesiado do paciente. E esfregou a superfície da córnea. E com o especulo dilatou as pálpebras e com o fórceps agarrou o globo ocular e moveu-o numa direção e noutra.
- Está sentindo alguma coisa? Perguntou ao paciente.
- Nada, doutor!
Em seguida tocou de leve no olho não tratado com a solução de cocaína e o paciente fugiu imediatamente com a cabeça.
O Dr Brettauer voltou-se para a assistência.
- espero que os senhores aceitem a perfeita veracidade da comunicação do Dr Koller.
Um homem lá nos fundos da sala suspirou profundamente, como se tivesse com o folego preso durante todo o tempo da prova.
- prodigioso! Exclamou ele. Agora poderemos curar a cegueira!
Um mês mais atarde Koller teve o gosto de experimentar pessoalmente o prazer de produzir perante um auditório de sábios uma comunicação cientifica de valor histórico. Diante da Sociedade Medica de Viena ele vibrou com os aplausos recebidos.
Um desagradável incidente, entretanto, veio marcar aquele dia. Outro médico levantou-se e narrou como havia descoberto as propriedades anestésicas da cocaína. Quem era esse homem O Dr. Leonard Koenigstein, o mesmo que trabalhara com Freud e Koller e inutilmente experimentara curar com a cocaína as infecções dos olhos. Koenisgstein negava credito a Koller.
Algumas horas mais tarde, quando tudo levava a crer que iria travar-se mais uma batalha de prioridade, Sigmund Freud salvou a situação. Acompanhado de outro médico, aproximou-se do objetor.
- Dr Koenisgstein, conhece o Dr. Wagner-Jauregg?
- Sem dúvida, respondeu o perguntado. Como vai Dr Jauregg?
- Bem obrigado, respondeu secamente. Koenigstein, continuou ele, vamos ao ponto. Freud e eu ouvimos a sua exposição esta noite e creio que concordará conosco quanto ao desagradável duma controvérsia sobre a cocaína. Haverá muito mexerico e muita publicidade má. Está seguindo o meu pensamento?
Koenigstein começou a suar.
- Não tenho nenhuma ideia sobre o que o senhor pretende...
- Vou ajuda-lo, interveio feud. Fcamos um tanto desolados com a comunicação que o senhor leu esta noite, na qual parece dar a impressão de que Koller nada tem a ver com a descoberta do anestésico local. Explique-nos quais são suas ideias a respeito.
Por um momento Koenigstein encarou os dois homens . E disse depois:
Eu... eu... parece-me que os estou compreendendo, senhores. Que é que sugerem?
- Esplendido! Disse Freud. Muito apreciamos a sua cooperação. Penso que uma carta sua a um jornal medico, detalhando a parte de Koller na descoberta, será o bastante.
E desse modo Freud e Julius Wagner-Jauregg, um futuro premio Nobel, salvaram a situação de Koller.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943.

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