A coisa começou como murmúrios:
“Soube da história? Parece que os alemães descobriram o específico de alguma
doença tropical.” O que seria? O mundo ignorava. Portas a dentro do Instituto
de Medicina Tropical de Hamburgo, um pequeno exército de cientistas trabalhava
furiosamente, em silencio. Cada semana um dele voava ao departamento de Saúde
de Berlim, ou a grande fábrica Bayer em Elberfeld, mas não divulgava nenhuma
informação. Até o ano de 1920 nada transpirou do que se passava dentro do laboratório,
mas no fim desse ano um químico cochichou para um colega na Inglaterra; “Fui
informado de que na Alemanha estão fazendo provas dum específico para a doença
do sono”, e a novidade espalhou-se.
pacientes com doença do sono em Moçambique |
Doença do sono ou tripanossomíase
africana é uma doença frequentemente fatal
causada pelo parasita unicelular Trypanosoma
brucei. Há duas formas: uma na África Ocidental, incluindo Angola e Guiné-Bissau, causada pela subespécie T. brucei gambiense, que assume forma crônica, e outra na África Oriental, incluindo Moçambique, causada pelo T.
brucei rhodesiense. Ambos os parasitas são transmitidos pela picada
da mosca tsé-tsé (moscas do gênero Glossina que são seu vetor). A infecção ataca o sistema nervoso
central, causando distúrbios neurológicos graves. Sem tratamento, a doença é
fatal. Hoje a doença coloca em risco 60 milhões de pessoas.
mosca tsé tsé vetor do Trypanosoma brucei |
Porque isso era em 1920, tempo em que a infernal doença estava
devastando as colônias inglesas da África e as tomadas aos alemães durante a
guerra.
O Colonial Office foi bombardeado de intimações da Inglaterra inteira. “Nada
poupem para descobrir qual a nova droga alemã. Faz-se imperativo que tenhamos a
dianteira no tratamento da doença do sono.”
Os pobre cientistas
ingleses não conseguiam a menor informação sobre a descoberta alemã e
aconselhavam ao governo que mantivesse calma e acreditavam que quando os alemães
concluíssem os estudos, anunciariam a droga e diriam do que se tratava.
Porém o calculo dos
ingleses não deram certo. Ao anunciarem a droga os alemães fizeram de um modo
sem precedente nos anais da história. “Nós aperfeiçoamos uma nova droga que se
revelou o remédio específico para a doença do sono africana. Demos o nome de
Bayer 205, ou germanina. Mas no
momento não estamos preparados para apresentar a fórmula”.
- Escutem aqui! Clamavam os
ingleses. Vocês não podem fazer isso! Não é assim que verdadeiros cientistas
procedem...
Mas os alemães calaram-se
e continuaram a testar o 205 em mais ratos, mais coelhos e mais cavalos. Quando
plenamente convencidos de que o 205 era inócuo para animais, ousaram fazer
experiência em criaturas humanas- e por ironia do destino este humanos eram
ingleses vindos da África com a doença do sono e foram a Alemanha em busca da
cura. Ao retornarem de Hamburgo para a Inglaterra, perfeitamente curados, isso
ainda mais assanhou os ingleses.
Os pedidos do Bayer 205
choviam, mas a resposta dos alemães era sempre: “Podemos mandar o 205 na
quantidade que quiseres, mas com a condição de dardes a palavra de honra de que
não fareis nenhuma analise do medicamento, nem o dareis para que outros o façam”...
Os médicos ingleses,
franceses, belgas e holandeses tiveram de aceitar as imposições germânicas.
Nu a reunião em Hamburgo um
orador pôs as cartas na mesa.
“O Bayer 205 é fundamental
para a África tropical e, por consequência, a chave de todas as colônias. O
governo alemão deve salvaguardar essa descoberta para uso exclusivo da
Alemanha. Seu valor é tal, que qualquer participação em seu uso, por parte de
outras nações, tem que basear-se numa condicional: a restituição das colônias alemãs
tomadas durante a guerra”.
O barulho foi grande. Os homens
de governo, os cientistas e estadistas dos países visados bradavam “Traição”!
Nesta época a formula do Bayer 205 valia um bilhão de dólares.
Bibliografia:
Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman –
tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943
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