sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Alemães queriam trocar remédio contra a doença do sono por suas colonias na África

A coisa começou como murmúrios: “Soube da história? Parece que os alemães descobriram o específico de alguma doença tropical.” O que seria? O mundo ignorava. Portas a dentro do Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo, um pequeno exército de cientistas trabalhava furiosamente, em silencio. Cada semana um dele voava ao departamento de Saúde de Berlim, ou a grande fábrica Bayer em Elberfeld, mas não divulgava nenhuma informação. Até o ano de 1920 nada transpirou do que se passava dentro do laboratório, mas no fim desse ano um químico cochichou para um colega na Inglaterra; “Fui informado de que na Alemanha estão fazendo provas dum específico para a doença do sono”, e a novidade espalhou-se.
pacientes com doença do sono em Moçambique
Doença do sono ou tripanossomíase africana é uma doença frequentemente fatal causada pelo parasita unicelular Trypanosoma brucei. Há duas formas: uma na África Ocidental, incluindo Angola e Guiné-Bissau, causada pela subespécie T. brucei gambiense, que assume forma crônica, e outra na África Oriental, incluindo Moçambique, causada pelo T. brucei rhodesiense. Ambos os parasitas são transmitidos pela picada da mosca tsé-tsé (moscas do gênero Glossina que são seu vetor).  A infecção ataca o sistema nervoso central, causando distúrbios neurológicos graves. Sem tratamento, a doença é fatal. Hoje a doença coloca em risco 60 milhões de pessoas.
mosca tsé tsé vetor do Trypanosoma brucei
Porque isso era em 1920, tempo em que a infernal doença estava devastando as colônias inglesas da África e as tomadas aos alemães durante a guerra.
O Colonial Office foi bombardeado de intimações da Inglaterra inteira. “Nada poupem para descobrir qual a nova droga alemã. Faz-se imperativo que tenhamos a dianteira no tratamento da doença do sono.”
Os pobre cientistas ingleses não conseguiam a menor informação sobre a descoberta alemã e aconselhavam ao governo que mantivesse calma e acreditavam que quando os alemães concluíssem os estudos, anunciariam a droga e diriam do que se tratava.
Porém o calculo dos ingleses não deram certo. Ao anunciarem a droga os alemães fizeram de um modo sem precedente nos anais da história. “Nós aperfeiçoamos uma nova droga que se revelou o remédio específico para a doença do sono africana. Demos o nome de Bayer 205, ou germanina. Mas no momento não estamos preparados para apresentar a fórmula”.
- Escutem aqui! Clamavam os ingleses. Vocês não podem fazer isso! Não é assim que verdadeiros cientistas procedem...
Mas os alemães calaram-se e continuaram a testar o 205 em mais ratos, mais coelhos e mais cavalos. Quando plenamente convencidos de que o 205 era inócuo para animais, ousaram fazer experiência em criaturas humanas- e por ironia do destino este humanos eram ingleses vindos da África com a doença do sono e foram a Alemanha em busca da cura. Ao retornarem de Hamburgo para a Inglaterra, perfeitamente curados, isso ainda mais assanhou os ingleses.
Os pedidos do Bayer 205 choviam, mas a resposta dos alemães era sempre: “Podemos mandar o 205 na quantidade que quiseres, mas com a condição de dardes a palavra de honra de que não fareis nenhuma analise do medicamento, nem o dareis para que outros o façam”...
Os médicos ingleses, franceses, belgas e holandeses tiveram de aceitar as imposições germânicas.
Nu a reunião em Hamburgo um orador pôs as cartas na mesa.
“O Bayer 205 é fundamental para a África tropical e, por consequência, a chave de todas as colônias. O governo alemão deve salvaguardar essa descoberta para uso exclusivo da Alemanha. Seu valor é tal, que qualquer participação em seu uso, por parte de outras nações, tem que basear-se numa condicional: a restituição das colônias alemãs tomadas durante a guerra”.
O barulho foi grande. Os homens de governo, os cientistas e estadistas dos países visados bradavam “Traição”! Nesta época a formula do Bayer 205 valia um bilhão de dólares.


Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

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