Certo
cientista escreveu uma coisa fantástica: os tripanossomos eram primos duma
diferente raça de micróbios – dos micróbios causadores da sífilis. “Se o meu
606 mata o tripanossomo”, ponderou Ehrlich, “talvez também mate o micróbio da
sífilis”.
Ehrlic e Hata em Frankfort |
Nesse
momento crucial um novo assistente lhe veio de Tóquio – S. Hata. Ehrlich pôs-se
a trata-lo como escravo, mas Hata não se queixava, não se descuidava nunca. E
aquele prodigioso japonês era perito em lidar com micróbio da sífilis e em
inocula-los em coelhos e macacos.
Logo
que as gaiolas se enchiam destes animais, eram entregues a Hata. Hata ria-se
para eles. Hata cuidava deles. Hata dava-lhes de comida, mas também os enchia
de ulceras sifilíticas. Mas se Hata contaminava de sífilis também os curava com
injeções de 606. Porque, por mias incrível que até o próprio Ehrlich parecesse
o 606 curava a sífilis!
Curava-a
em coelhos e macacos – mas no homem? Nos homens nas mulheres e nas crianças
pesteadas pela sífilis, doença contra a qual ainda nada se puder fazer?
Cura-los-ia o 606?
Antes
de qualquer coisa, era preciso que Ehrlich se convencesse da segurança do 606,
e isso tomou dois anos – dois anos em que até o incansável Hata iria tornar-se
um pouco impaciente com os infindáveis testes em coelhos, macacos e ratos e
mais ratos. No meio daquela febre, recebeu Ehrlich a noticia de que ganhara o
premio Nobel – não pelo 606 que não havia anunciado ainda – mas pelos seus
primeiros trabalhos sobre células sanguíneas e a teoria da imunização.
Mas,
afinal, em setembro de 1909, determinou Ehrlich que a prova em seres humanos
não podia ser adiada por mais tempo, e mandou o 606, cuidadosamente selado em
recipientes próprios, a Conrad Alt em Uschtspringe, ao Prof. Hreiber em
Magdeburg e a outros amigos de confiança em Praga e Saraievo. Também mandou a
Julis Iverson em São Petersburgo para testes em febre relapsa, uma doença
causada por um parente próximo do micróbio da sífilis.
“Experimente
isso em seus doentes”, escreveu-lhe Ehrlich, “e comunique-me sem demora os
resultados. Sobretudo os maus resultados. Mas de forma nenhuma fale nessas
experiências a ninguém. Não quero levantar esperanças prematuras...”
Em
abril de 1910 os primeiros resultados vieram, e os amigos de Ehrlich
forçaram-no, bastante a contra gosto, a fazer esta declaração perante o
Congresso de Medicina em Wiesbaden – e imediatamente o mundo se voltou para o
magico de Frankfort. Poucas pessoas haviam dado atenção aos anteriores estudos
sobre colorantes e células do sangue e as desnorteantes teorias de Ehrlich; mas
lá estava um homem que havia curado a sífilis, essa velha e horrorosa doença.
Vinham
doentes implorar a cura. De todos os pontos do mundo chegavam cartas pedindo
socorro e conselho, ou pedindo emprego e dinheiro, ou indagando se flores de
batata curavam o cancro, ou pedindo autografo, ou apresentando congratulações e
votos de felicidade. Grandes figurões também apareciam, e médicos famosos, e
cientistas, e personalidades oficiais, e a todos Ehrlich atendia, sempre polido
e serviçal.
Ehrlich
procurava explicar tudo, fazer toda gente feliz, na mais completa ignorância do
mundo que o rodeava e da inutilidade das explicações. E mesmo quando de seu laboratório
saiu o 914, ou “neosalvarsan”, ainda melhor e mais seguro que o 606 no ataque a
sífilis, muita gente ainda continuou insatisfeita.
Paul
Ehrlich morreu em 1915, e com ele desapareceu o mais pitoresco e valente de
todos os caçadores de micróbios. No fim, pálido e anêmico, terrivelmente
cansado, ainda se inquietavam num ponto: a sua tarefa não estava terminada.
-
Ah, se eu dispusesse de um bocadinho mais de vida... Há tanta coisa a fazer
ainda...
Bibliografia:
Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman –
tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943
Nenhum comentário:
Postar um comentário