sábado, 1 de outubro de 2016

Atoxil e seus mil subprodutos na cura das doenças tropicais

Para a cura de doenças causadas por tripanosomas havia centenas de velhos colorantes a experimentar, e também havia as novas anilinas que os sábios alemães vinham revelando todos os dias. Havia os colorantes que Ehrlich arrecadava por toda Alemanha. E como se não fosse bastante, estabeleceu formulas para produtos químicos ainda não criados, coisas que concebivelmente podiam entrar em existência, e aos quais os seus discípulos acabaram dando existência.
Paul Ehrlich em seu laboratório 
De todo esse pesadelo de pesquisas um só colorante prometia algo, um pó chamado tripan vermelho. Um assistente de Ehrlich, experimentou a substancia e verificou que mata tripanosoma do mal de cadeiras, mas só atuava em ratos, não nos tubos de laboratório nem nos cavalos.
Fora o melhor encontrado e nada valia, e já estava Ehrlich a ponto de abandonar aqueles estudos, quando seu primo Carl Weigert, com a serenidade de costume, pediu-lhe que fizesse mais um estudo – um só.
- Conclui que é impossível Paul! Teria dito. Mas é preciso experimentar mais uma vez. Tenho a certeza de que você está na pista certa.
Num acesso de cólera, Ehrlich jogou os livros no chão, cruzou e recruzou a sala a bater o pé, lançou o charuto pela janela – mas concordou como sempre concordava. Uma vez mais – uma só!
E quando os rapazes retomaram aquilo, Ehrlich teve uma inspiração. Num jornal medico da Inglaterra havia ele lido um relatório de dois investigadores da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, onde se anunciava a ação letal sobre os germes da doença do sono dum poderoso composto de arsênico, o atoxil. Soube em seguida que seu amigo Koch estava experimentando o atoxil. Ehrlich não teria dado importância aos ingleses, mas era Koch, o seu amigo Koch, que estava usando o atoxil... E sacando do bolso um dos cartões coloridos que sempre trazia consigo, escreveu uma nota endereçada ao incrível químico Bertheim: “Faça-me algum atoxil. Vamos usa-lo na doença do sono, na nagana e no mal de cadeiras”.
Bertheim correu em procura do chefe.
- Herr Geheimrat, isso é impossível!
- Por que impossível? Tornou Ehrlich. Um hábil químico da sua marca não pode então fazer atoxil?
- Sem duvida que posso fazer atoxil, Herr Geheimrat – mas o senhor não poderá usá-lo! Não sabe o que o atoxil, produz? Não viu o report de Koch?
- Ach, li tudo. Koch diz que o atoxil produz a cegueira. É isso que o está assustando? Não se aflija, meu caro Bertheim. Faça-me um pouco de atoxil, que eu tomo conta do resto. Havemos de muda-lo um pouquinho, de modo que não afete os olhos de ninguém.
Mas o apavorado Bertheim não se convenceu.
- Impossível! Ninguém pode reinar com o atoxil. É um composto extremamente sensível e que não pode ser mudado.
- Pois estou convencido que o meu caro Bertheim vai conseguir o milagre, rematou Ehrlich.
Intimado a obter o atoxil que não afetasse os olhos, Berthelm voltou para o laboratório e iniciou a tarefa. Como resistir aquele “meu caro Bertheim” do Chefe?
E o Chefe tinha razão. Era possível “brincar” com o atoxil, embora toda gente pensasse o contrário, e até o incrédulo Bertheim se convenceu de que o perigoso produto arsenical podia ser mudado de cem maneiras. Podia ser ligado a colorantes; podia ser dado em forma acida ou alcalina. Parecia não ter fim o número de derivados do atoxil que Bertheim começou a produzir – e isso significava mais trabalho para os experimentadores, porque cada novo composto químico impunha estudos completos feitos em animais.
Ratos com o sangue tomado pelos bacilos em forma de saca-rolha e que os novos produtos químicos matavam; ratos por eles curados mas que cegavam; ratos que de repenete se punham a dançar  em corrupio, como os dervixes.
Nada mais deteria Ehrlich. Estava convencido de ter nas mãos a cura das moléstias produzidas pelos tripanossomas - e o que tinha a fazer era ir variando o atoxil até acertar.
E imaginou compostos ainda mais “impossíveis”, que seus pacientes químicos acabavam obtendo. Não parava com as conferencias e reuniões – arguindo, explanando, convencendo quem quisesse ouvir, traçando diagramas no chão nas paredes, na sola do sapato, nos punhos e nos peitos da camisa.
Escrevia notas em costas de cartas. Lia livros de ciências as toneladas e lembrava-se do que lia – mas esquecia-se de comer e vestir-se decentemente; nunca se lembrava de onde havia deixado o dinheiro, e as vezes até esquecia o nome de suas filhas. Mas nunca jamais esqueceu o que havia lido, nem qual dos assistentes estava lidando nisto ou naquilo e que resultados estavam obtendo.
E foram indo até o 606, um composto que esperneava dentro do terrível nome de dioxidiamidoarsenobenzol.
Este 606 era uma das muitas “impossíveis” invenções de Ehrlich, uma droga que “não podia ser sintetizada” mas Bertheim sintetizou. E o 606 agiu magicamente. Com um jato de 606 nos ratos, os tripanossomas morriam. Curava os ratos sem cegá-los, sem afetar-lhes o cérebro, sem fazer-lhes mal algum. Foi prodigioso para os ratos e para os cavalos sul americanos com mal de cadeiras.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943



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