Para a cura de doenças causadas por
tripanosomas havia centenas de velhos colorantes a experimentar, e também havia
as novas anilinas que os sábios alemães vinham revelando todos os dias. Havia
os colorantes que Ehrlich arrecadava por toda Alemanha. E como se não fosse
bastante, estabeleceu formulas para produtos químicos ainda não criados, coisas
que concebivelmente podiam entrar em existência, e aos quais os seus discípulos
acabaram dando existência.
Paul Ehrlich em seu laboratório |
De todo esse pesadelo de pesquisas um só
colorante prometia algo, um pó chamado tripan vermelho. Um assistente de
Ehrlich, experimentou a substancia e verificou que mata tripanosoma do mal de
cadeiras, mas só atuava em ratos, não nos tubos de laboratório nem nos cavalos.
Fora o melhor encontrado e nada valia, e já
estava Ehrlich a ponto de abandonar aqueles estudos, quando seu primo Carl
Weigert, com a serenidade de costume, pediu-lhe que fizesse mais um estudo – um
só.
- Conclui que é impossível Paul! Teria dito.
Mas é preciso experimentar mais uma vez. Tenho a certeza de que você está na
pista certa.
Num acesso de cólera, Ehrlich jogou os livros
no chão, cruzou e recruzou a sala a bater o pé, lançou o charuto pela janela –
mas concordou como sempre concordava. Uma vez mais – uma só!
E quando os rapazes retomaram aquilo, Ehrlich
teve uma inspiração. Num jornal medico da Inglaterra havia ele lido um relatório
de dois investigadores da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, onde se
anunciava a ação letal sobre os germes da doença do sono dum poderoso composto
de arsênico, o atoxil. Soube em seguida que seu amigo Koch estava
experimentando o atoxil. Ehrlich não teria dado importância aos ingleses, mas era
Koch, o seu amigo Koch, que estava usando o atoxil... E sacando do bolso um dos
cartões coloridos que sempre trazia consigo, escreveu uma nota endereçada ao incrível
químico Bertheim: “Faça-me algum atoxil. Vamos usa-lo na doença do sono, na
nagana e no mal de cadeiras”.
Bertheim correu em procura do chefe.
- Herr Geheimrat, isso é impossível!
- Por que impossível? Tornou Ehrlich. Um hábil
químico da sua marca não pode então fazer atoxil?
- Sem duvida que posso fazer atoxil, Herr
Geheimrat – mas o senhor não poderá usá-lo! Não sabe o que o atoxil, produz? Não
viu o report de Koch?
- Ach, li tudo. Koch diz que o atoxil produz
a cegueira. É isso que o está assustando? Não se aflija, meu caro Bertheim.
Faça-me um pouco de atoxil, que eu tomo conta do resto. Havemos de muda-lo um
pouquinho, de modo que não afete os olhos de ninguém.
Mas o apavorado Bertheim não se convenceu.
- Impossível! Ninguém pode reinar com o
atoxil. É um composto extremamente sensível e que não pode ser mudado.
- Pois estou convencido que o meu caro
Bertheim vai conseguir o milagre, rematou Ehrlich.
Intimado a obter o atoxil que não afetasse os
olhos, Berthelm voltou para o laboratório e iniciou a tarefa. Como resistir
aquele “meu caro Bertheim” do Chefe?
E o Chefe tinha razão. Era possível “brincar”
com o atoxil, embora toda gente pensasse o contrário, e até o incrédulo Bertheim
se convenceu de que o perigoso produto arsenical podia ser mudado de cem
maneiras. Podia ser ligado a colorantes; podia ser dado em forma acida ou
alcalina. Parecia não ter fim o número de derivados do atoxil que Bertheim
começou a produzir – e isso significava mais trabalho para os experimentadores,
porque cada novo composto químico impunha estudos completos feitos em animais.
Ratos com o sangue tomado pelos bacilos em
forma de saca-rolha e que os novos produtos químicos matavam; ratos por eles
curados mas que cegavam; ratos que de repenete se punham a dançar em corrupio, como os dervixes.
Nada mais deteria Ehrlich. Estava convencido
de ter nas mãos a cura das moléstias produzidas pelos tripanossomas - e o que
tinha a fazer era ir variando o atoxil até acertar.
E imaginou compostos ainda mais “impossíveis”,
que seus pacientes químicos acabavam obtendo. Não parava com as conferencias e
reuniões – arguindo, explanando, convencendo quem quisesse ouvir, traçando diagramas
no chão nas paredes, na sola do sapato, nos punhos e nos peitos da camisa.
Escrevia notas em costas de cartas. Lia
livros de ciências as toneladas e lembrava-se do que lia – mas esquecia-se de
comer e vestir-se decentemente; nunca se lembrava de onde havia deixado o
dinheiro, e as vezes até esquecia o nome de suas filhas. Mas nunca jamais
esqueceu o que havia lido, nem qual dos assistentes estava lidando nisto ou
naquilo e que resultados estavam obtendo.
E foram indo até o 606, um composto que esperneava
dentro do terrível nome de dioxidiamidoarsenobenzol.
Este 606 era uma das muitas “impossíveis”
invenções de Ehrlich, uma droga que “não podia ser sintetizada” mas Bertheim
sintetizou. E o 606 agiu magicamente. Com um jato de 606 nos ratos, os
tripanossomas morriam. Curava os ratos sem cegá-los, sem afetar-lhes o cérebro,
sem fazer-lhes mal algum. Foi prodigioso para os ratos e para os cavalos sul
americanos com mal de cadeiras.
Bibliografia:
Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman –
tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943
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