sábado, 26 de novembro de 2016

O acaso da naftalina descobre a antifebrina

Em 1886, o mundo medico voltou os olhos para uma pequena clinica em Strasburgo, na Alsacia alemã, para informações sobre o aparelho digestivo e sua função. Guiados pelo Dr Adolf Kussmaul um grupo de jovens estudantes testava os efeitos de muitos elementos químicos na digestão. E operando com terrificantes bombas estomacais, eles aprenderam a inundar o estomago de seus pobres pacientes. Procuravam remédios para todas as doenças intestinais causadas por germens e parasitas.
Certo dia dois desses rapazes receberam uma ordem.

- Senhores, disse o professor Kussmaul, tenho um belo problema para ambos. Há aqui malvado vermes que penetra no intestino e fura as tripas. Talvez vocês encontrem uma droga que os mate, sem matar ou prejudicar o paciente.
Os incumbidos do problema foram Arnold Cahn e Paul Hepp, o primeiro já a especializar-se em ácidos do estomago e o segundo no ataque a triquinose. Nenhum dos dois gostou da tarefa que o mestre lhes atribuía.
- Vermes, vermes! Rosnou Cahn. Não gosto de trabalhar em vermes. Isso cabe a você, Paul, que é o perito em vermes aqui no nosso grupo.
- Sei, tornou Hepp. Você não quer, nem eu – mas o mestre mandou e temos de obedecer. O melhor é começarmos já, para acabarmos a coisa o mais depressa possível. Mas por onde começar?
- Hum... Podemos experimentar com a nossa naftalina, se é que ainda existe. Todos andam aqui a usa-la. E voltando-se para alguém: “Oh lá, Julius! Venha cá”.
Um lavador de vidros, de lerda, aproximou-se.
- Vá ao quarto das drogas e diga a Schmidtzie que precisamos dum pouco de naftalina, ai umas 50 gramas, se é que não comeram tudo.
Julius encaminhou-se sonolentamente para o deposito de drogas onde Herr Schmidt imperava, e deu o recado. Uma hora mais tarde Schmidt em pessoa vinha fazer a entrega da droga pedida.
- herr Doutor, disse ela a Cahn, não tenho  bastante naftalina no vidro grande, mas trago aqui um vidro ainda não aberto. Não sei bem se é naftalina, porque o rotulo está estragado. Parece que é.
Cahn espiou o que restava do rotulo e disse:
- Sim, é naftalina. Deixe o vidro conosco. Com certeza vamos usar tudo.
Uma semana depois os dois assistentes ainda estavam procurando matar vermes com aquela “naftalina”, e a droga não agia (eles nem haviam cheirado o vidro! A naftalina cheira como aquelas bolas de matar traças). Não matava vermes.
Por fim Paul Hepp agarrou o vidro, dizendo:
- espere um pouco. Vou ver se esta porcaria cura alguma coisa! Tenho um doente no consultório com a barriga cheia de tudo que os livros trazem. Vamos ver o que esta naftalina faz com a bicharia dele.
Tres horas mais tarde Hepp corria para a mesa de Cahn.
- Escute! Você sabia que a naftalina abate a febre?
- O diabo abate a febre tornou Cahn. Não sei quem em Berlim já fez a experiência. Não abate nada.
- Não abate? Ou esse alguém está louco ou eu – mas duvido muito que seja eu.
- Que quer dizer?
- O que estou dizendo. Sabe? Aquele meu doente com bicharia nas tripas? Pois esta manhã estava com a temperatura cinco graus acima do normal. Dei-lhe uma dose desta naftalina e meia hora depois a temperatura desceu para o normal. Quem é o louco?
- Deixe-me ver isso, disse Cahn passando a mão no frasco de naftalina; era o mesmo que Schmidt trouxera, o de rotulo estragado; Cahn cheirou-o. Espere, Paul. Isto não é naftalina! Não tem cheiro de naftalina!...
Hepp arrepiou-se.
- E não sabemos o que é. E eu podia ter matado aquele camarada lá na clinica! Escute: tenho um primo na fabrica de anilina de Biebrich. E se o mandasse fazer a analise dito? Estou tonto...
Semanas depois os dois jovens de Strasburgo mandavam um resumido artigo a um jornal de medicina de Berlim. “Por um feliz acidente”, diziam eles, “um novo composto nos veioter às mãos, o qual se revela um excelente febrífugo”. Investigado pelo Dr. E. Hepp, em Biebrich, verificou ele ser uma substancia de há muito conhecida dos químicos – a acetanilida ... a qual desejamos dar o nome de antifebrina.

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

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