Os médicos militares holandeses conheciam o beribéri – e quem
não conhecia? Tratava-se de doença velha conhecida da grecia e de Roma. Doença
que havia paralisado e deteriorado músculos no Egito, transformado homens em
esqueletos no Japão, destruído criaturas na China, produzido milhares de náufragos
nas longas lutas bélicas da Europa. Matava sem respeitar classe social. Este mesmo
beribéri reaparecia como flagelo dos holandeses na zona malaia.
Vulcões da Ilha de Java |
Hospitais brotavam em Java, nas Celebes e outras
pitorescas ilhas e em 15 dias lotavam de pacientes com beribéri. Pior que não
se tratava de uma coisa epidêmica, dessas que se agrava de súbito depois se
acalmam; era coisa constante, perpetua, e os nativos riam-se ao ver os
holandeses tombarem por invisíveis balas.
Depois de dez anos desta hecatombe, os holandeses de Java
pediram socorro aos seus compatriotas em Utrecht e Amsterdam.
-Procurei um remédio para esta doença, ou estaremos
fritos.
- Doença? Murmuraram na Europa os consultados. Deve andar
ai um micróbio. Mandaremos para lá os nossos melhores caçadores dos invisíveis –
e pensaram em Cornelis Pekelharing, professor em Utrecht; esse homem estudava proteínas
na escola veterinária oficial em Utrecht.descobrira o bichinho que em sua
opinião provocava a calvice. Também escolheram o professor Winkler, autor duma
tese sobre o bacilo da tuberculose ( que não conseguira encontrar) e também
mestre em doenças nervosas.
E lá foram para Berlim os dois sábios a fim de aconselhar-se
com Robert Koch o recente descobridor do tão procurado micróbio.
- Eu gostaria de ir com vocês, disse Koch, um velho
apreciador de países distantes, mas não posso deixar Berlim. Apenas posso
indicar um estudante que tenho aqui, compatriota de vocês – o Dr. Christian
Eijkman.
O indicado era um moço de 28 anos e já conhecedor do beribéri,
dois anos antes servira como cirurgião militar na pequena cidade javanesa de
Tjilatjap, onde travara conhecimento pessoal com os estragos feitos por essa
doença.
Assim, os três cientistas, mais os necessários auxiliares
partiram da Holanda em outubro de 1886. Em novembro chegavam a Batavia, onde se
puseram a obra num pequeno laboratório do hospital militar de Wltevredem. Três
meses passaram ali; em seguida, mais três meses no campo; e mais três meses de
novo no laboratório. Exatamente nove meses depois estava de volta Holanda.
Haviam descoberto o “micróbio produtor do beribéri”.
Porque era preciso que fosse um micróbio. Beribéri,
doença misteriosa? Oh, a causa de todas as doenças misteriosas estava sempre
num micróbio. Mas tudo quanto eles haviam encontrado não passava de um
pequenino germe, presente apenas em 15 de cada 80 beribéricos, o qual germe,
injetado num cachorro, adoecia o animal e às vezes escangalhava os nervos.
E como haviam concluído que aquele bichinho “era talvez a
causa do beribéri”, antes de regresso a Holanda aconselharam aos médicos javaneses
o uso abundante do sublimado corrosivo e outros poderosos germicidas na
desinfecção das roupas, assoalhos, mobília, teto e mais superfícies expostas ao
ar. Mas aqueles sábios haviam tido uma brilhante inspiração: sentindo que o
assunto não estava plenamente decidido, induziram as autoridades a manter em Java
um serviço permanente de estudos a cargo de Eijkman. Até aquele momento o cientista
olhava para a doença como algo tedioso. Enquanto chefes dramaticamente
perseguiam os micróbios, ele se deixava ficar no laboratório quente como uma
estufa. Enquanto os outros romanticamente lutavam contra a morte nos hospitais,
ficava Eijkman ali a contar glóbulos vermelhos do sangue. Enquanto davam
combate a uma praga, ele media a hemoglobina.
Mas agora tudo mudara. Sozinho e dono de si mesmo, ele
pretendia descobrir o micróbio verdadeiro – porque estava certo de que era um micróbio,
e isso o levaria a gloria.
Aos trinta anos tornou-se o chefe, o diretor supremo e
praticamente o único cérebro do suarento Laboratório Bacteriológico, Patológico
e Anatômico das Índias Holandesas, onde durante dois anos se esforçou por
arrancar alguma coisa da muda massa de dados coletados.
- Deve haver um micróbio – mas onde está?
Os exames microscópicos se sucediam, mas nada de micróbios,
nada de bactérias – nem mesmo um simples cocus. Eijkman injetava em animais
escarro e sangue e até fragmentos de tecidos mortos, mas os pobres ratos
morriam sem revelar nenhum sintoma de beribéri.
Bibliografia:
Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman –
tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943
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